Os sujeitos bons não resolvem os males do mundo, mas são como a aragem que faz bem. E como se divertem! Grande é a folgança deles, que se alegram
por tabela e são felizes de carambola.
Adolpho Bloch recebendo alegremente tudo que é cachorro magro e mulher doida que surge na porta de sua oficina, enchendo de presentes os dois molecotes filhos do porteiro de seu edifício. O pianista Bené Nunes se fantasiando de Papai Noel e passando o dia de Natal inteiro num automóvel, visitando os amigos casados, distribuindo presentes pela criançada, de surpresa... Eu poderia citar muita gente. Há muita gente boa, mas quero contar
a história de Bororó.
Encontrei o velho boêmio comovido. Aparecera em sua casa um moleque de
morro pedindo comida. Sua mulher e sua filha arrumaram um prato para o
menino, visivelmente esfomeado. Todos saíram de perto, para que ele ficasse
à vontade. Em um instante o garoto devorou a metade do prato - e parou de
comer. Bororó estranhou; o menino explicou que preferia levar a outra metade
para outro moleque, seu amigo, que ele sabia estar com uma fome danada. Depois pediu que nunca jogassem comida fora; ele viria buscar os restos para
seus irmãozinhos - com 10 ou 12 anos, tinha seis irmãozinhos menores. Resultado: Bororó assumiu a responsabilidade de sete garotos...Meirinho e compositor, Bororó se diverte como um príncipe. Ganhou uma batelada de netos
e sorri, feliz, o avô magnífico.
Eu conheço uns sujeitos que coçam a cabeça, ficam velhos, carecas, enrugados,
com úlceras nervosas quando ouvem dizer que vai aumentar o imposto sobre as
grandes rendas...Ah, os pobres-diabos, como eles sofrem!
Rubem Braga - Correio da Manhã, 1º de fevereiro de 1955
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