DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

04/06/2018

O preço da democracia




Doris Haddock, trabalhadora aposentada, caminhou de Los Angeles
até Washington: uma tartaruga atravessou os Estados Unidos,  de
costa a costa.
Ela se pôs a caminhar para denunciar a venda da democracia aos milionários que pagam as campanhas dos políticos, e caminhando, a cada passo, a cada etapa, seus discursos iam atraindo mais e mais
gente. Estava já há mais de um ano caminhando, frita pelos sóis, congelada pelos frios, voada pelos ventos, quando a neve a paralisou. Uma tremenda tormenta de neve despencou sobre as montanhas do oeste da Virgínia.
No povoado de Cumberland, Doris festejou seu aniversário. Noventa velinhas. E continuou a viagem de esqui.
Enquanto viajou através da neve, o último mês inteiro.
Enquanto nascia o século vinte e um, chegou à cidade de Washington. Uma multidão acompanhou-a até o Capitólio. Lá trabalham os legisladores, a mão de obra política das grandes empresas que retribuem seus serviços.
Da escadaria, Doris pronunciou um discurso lacônico. Apontando
para o pórtico do Capitólio, disse:
- Isso aqui está se transformando numa casa de putas.
E foi-se embora.


O voto e o veto

Corria o ano de 1916, ano de eleições na Argentina. 
No povoado de Campana, votava-se nos fundos do armazém de armarinhos.
José Gelman, carpinteiro de profissão, foi o primeiro a chegar. Ía votar pela primeira vez na vida, e o dever cívico inchava-lhe o peito. Naquela manhã, aquele imigrante que não havia conhecido
outra coisa além do despotismo militar na longínqua Ucrânia iria
ingressar na democracia.
Quando José estava ponto seu voto na urna, voto pelo Partido Radical, uma voz rouca paralisou sua mão:
- Você está se enganando de pilha - advertiu a voz.
E através da grade da janela surgiu uma carabina. O cano apontou
a pilha correta, onde estavam as células do Partido Conservador.

Eduardo Galeano( 1940-2015)  em Bocas do tempo.

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