DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

09/01/2020

João Cabral de Melo Neto





Nasceu em Recife(PE) no dia 9 de janeiro de 1920. Se vivo fosse completaria 100 anos! Um dos poetas mais importantes da literatura brasileira, nos deixou um legado poético preciosíssimo, entre eles O cão sem plumas, Morte e vida Severina(adaptado para a música, o teatro e o cinema), O artista inconfessável
(uma espécie de autobiografia do poeta), entre muitos outros. Faleceu no dia 9 de outubro de 1999.
Em sua homenagem transcrevo aqui um poema seu inédito, A nuvem sobre a batalha e Tecendo a manhã


A nuvem sobre a batalha

Não há nuvem sobre a batalha.
Nas guerras de antes, sim havia.
Hoje na nuvem está a batalha
não a chuva que a ignoraria.
Hoje, ao pensar Joaquim Cardozo
o que me disse lembro ainda,
dia que os jornais noticiaram
a nuvem caída em Hiroshima
"Não há nuvem sobre a batalha.
Minha imagem foi abolida.
Hoje a nuvem leva navalhas
no que foi chuvada ontem-em-dia.
Da guerra em duas dimensões,
em que a vitória era uma colina,
a guerra última foi de dentro:
a nuvem choveu na cozinha".

***

Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.


E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Publicado em A educação pela pedra(1966)

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