Escutai os lamentos que me saem da alma. Vinde, sentai-vos no sangue das ervas que escorre pelos montes, vindes, escutai repousando os corpos cansados debaixo da figueira enlutada que derrama lágrimas pelos filhos abortados. Quero contar-vos histórias antigas, do presente e do futuro, porque tenho todas as idades e ainda sou mais novo que todos os filhos e netos que hão-de nascer. Eu sou o destino. A vida germinou, floriu e chegamos ao fim do ciclo. Os cajueiros estão carregados de fruta madura, é época de vindima, escutai os lamentos que me saem da alma, KARINGANA WA KARINGANA. * A xipalapala** soou, mamã, eu vou ouvir as histórias, eu vou. O culunguana*** ouviu-se do lado de lá, chegou a hora, mãe, conta-me aquela história do coelho e da rã. O búfalo enfureceu os meus tímpanos, quero ouvir coisas de terror, da guerra e da fome.
Em Ventos do Apocalipse (1993)
* Expressão utilizada pelos rongas quando começam a contar uma história tradicional; em português do Brasil corresponde a "Era uma vez"
** Corneta feita de chifre de impala, vaca ou búfalo para anunciar convocações
*** Aclamações
Paulina Chiziane nasceu em Manjacaze (Moçambique) em 1955. É autora de vários livros, entre os quais estão Balada de amor ao vento; O sétimo juramento; Niketche: uma história de poligamia (Prêmio José Craveirinha); O alegre canto da perdiz; Eu, mulher: por uma nova visão do mundo; O canto dos escravizados. Em 2021 foi agraciada com o Prêmio Camões.
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