DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

03/05/2011

Sobre um poema

Saturno devorando seus filhos, de Vic Muniz

Um poema nasce inseguramente

na confusão da carne,

sobe ainda sem plavras, só ferocidade e gosto,

talvez como sangue

ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo.

Fora, a esplêndida violência

ou os bagos de uva de onde nascem

às raízes minúsculas do sol.

Fora os corpos genuínos e inalteráveis

do nosso amor,

os rios, a grande paz exterior das coisas,

as folhas dormindo o silêncio,

as sementes à beira do vento,

- a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.

Insustentável, único,

invade as órbitas, a face amorfa das paredes,

a miséria dos minutos,

a força sustida das coisas,

a redonda e livre harmonia do mundo.

Embaixo o instrumento perplexo ignora

a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder (Luís Bernardes de Oliveira) - Funchal, Ilha da Madeira (1930- )

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