DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

06/07/2011

Sobre pessoas




A mãe, as professoras

e os dias de um escritor



O primeiro foi aquele em que sua mãe lhe mostrou um ABC, passando em seguida a dizer os nomes das letras. Jamais esqueceria o encantamento que o desenho delas lhe provocaram logo à primeira vista. Arrumadas em filas no abecedário, formavam um conjunto enigmático. Cada uma, porém, tinha sua própria identidade e personalidade, como as coisas e as pessoas. E eram elas que davam registro a tudo o que há na Terra e no céu, compreenderia depois, quando aquela senhora chamada Durvalice começou a juntá-las em sílabas - bê-a-bá, bê-e-bé... - e, nos dias seguintes, em vocábulos que passariam ao reino das frases, Ivo-viu-a-uva...

Aquele menino nunca tinha visto uma uva. Agora sabia que se tratava de uma fruta. Mas como é, mãe? Ela também não conhecia. Seu mundo era o das jabuticabas, murtas, graviolas, muricis, cajás, umbus.

Quando foi para a escola, num mês de março, já sabia ler a cartilha, o que deixara a professora Serafina muito feliz. Então chegou o dia 7 de setembro. Escolhido para recitar um poema patriótico em cima de um palanque, viu a praça antes empoeirada e deserta apinhar-se de gente. Pensou que ía cair, tal era a tremedeira nas pernas. Ainda assim, soltou a sua voz gasguita: "Auriverde pendão da minha terra/ que a brisa do Brasil beija e balança/ estandarte que a luz do sol encerra/ as divinas promessas de esperança"...

O público reagiu com lágrimas, num emocionado preito a uma criança capaz de memorizar todas aquelas palavras bonitas. Dalí por diante, se lhe perguntassem o que queria ser quando crescesse, já tinha a resposta: Castro Alves.

Aí chegou outra professora. "Leve os meninos", disse-lhe dona Serafina. Triste notícia. Que graça teria uma escola sem meninas? A recém-chegada chamava-se Teresa, que trazia uma novidade: um livro para ser lido em voz alta, tão encardido e probezinho quanto aquele lugar de lavradores. Vinha a ser uma antologia de contos, crônicas e poesias. Para começar, ao personagem dessa história coube um texto de José de Alencar, que nunca esqueceria: "Verdes mares bravios da minha terra natal, onde canta a jandaia na fronde da carnaúba". Imagine o efeito disso. Ele não fazia a menor ideia de como era o mar.

Também não tinha familiaridade com a chuva, o tema de uma redação, dificílimo, para quem vivia no polígono das secas. Asas à imaginação. Seu desempenho na escrita ganhou fama, levando-o a ser solicitado à realização de serviços mais desafiadores, por exemplo, as cartas dos apaixonados do lugar - e suas respostas. E as das chorosas mulheres dos migrantes. Essas eram de cortar o coração.

E assim iria se fazendo um escritor nascido na roça. As leituras o levaram a trocar a enxada pela caneta, com a qual vivia a cavar o seu sustento pela vida afora. E sempre a olhar as letras com o mesmo encanto com que as viu pela primeira vez.


Crônica de Antonio Torres

3 comentários:

  1. Olá, caríssima!

    Uma pergunta:

    E esse livro já em 107 edições, continua a ser lido?

    Por vezes fazem-se modernices que não prestam e esquece-se o que havia de bom.

    * Quanto ao meu livro:

    O único disponível aí, no Brasil, é
    "Por detrás das Palavras".

    Para informações ou aquisição

    (011) 50212233 Marcio ou Maria

    ou

    Maria@becodospoetas.com.br

    Claro que tenho cá ainda o livro/catálogo
    As Cores do Poema.

    Mas é ao complicado para ambos (e caro!) enviar daqui livros...
    que desisti!

    Assim vai a "linda" política de Cooperação Cultural que nos dá os nossos governantes...

    Obrigado pelo seu interesse.

    Beijinhosss

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  2. Essa cartilha não é mais usada, mas foi a partir dela que quase tudo começou! Se ela ainda existe deve ser apenas como preciosidade de algumas bibliotecas!
    Obrigada pela dica do livro, vou procurar por aqui.

    beijo

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  3. BUENO, COMO QUE LAS LETRAS JAMÁS TENDRÁN VIGENCIAS.
    UN ABRAZO

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