As árvores crescem sós. E a sós florescem.
Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas, multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fossem.
As árvores não.
Solitárias, as árvores,
exauram a terra e o sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.
Antonio Gedeão (Rômulo Vasco da Gama de Carvalho)
Lisboa - 1906-1977
E aí, Cirandeira!!
ResponderExcluirMuito bonita a poesia. Me lembrei agora, de passagem, de uma música do Arnaldo Antunes que também fala das árvores... mas a letra dele está bem longe do lirismo desta poesia.
Bjo
Num tempo em que todas as analogias se voltam para as raízes, para os rizomas deleuzeanos, faz bem ler algo sobre as árvores.
ResponderExcluirAbraço fraterno.
As árvores são perenes, ainda!
ResponderExcluirum abraço, Eurico