DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

21/09/2011

Das árvores, poema




As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco

se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,

e deles nascem folhas, e as folhas, multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,

e então crescem as flores, e as flores produzem frutos

e os frutos dão sementes,

e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.

Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.

Sós.

De dia e de noite.

Sempre sós.


Os animais são outra coisa.

Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,

fazem amor e ódio, e vão à vida

como se nada fossem.


As árvores não.

Solitárias, as árvores,

exauram a terra e o sol silenciosamente.

Não pensam, não suspiram, não se queixam.

Estendem os braços como se implorassem;

com o vento soltam ais como se suspirassem;

e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.

Nas planícies, nos montes, nas florestas,

a crescer e a florir sem consciência.


Virtude vegetal viver a sós

e entretanto dar flores.


Antonio Gedeão (Rômulo Vasco da Gama de Carvalho)

Lisboa - 1906-1977

3 comentários:

  1. E aí, Cirandeira!!

    Muito bonita a poesia. Me lembrei agora, de passagem, de uma música do Arnaldo Antunes que também fala das árvores... mas a letra dele está bem longe do lirismo desta poesia.

    Bjo

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  2. Num tempo em que todas as analogias se voltam para as raízes, para os rizomas deleuzeanos, faz bem ler algo sobre as árvores.

    Abraço fraterno.

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  3. As árvores são perenes, ainda!

    um abraço, Eurico

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