DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

24/08/2012

Dentaduras duplas


Dentaduras duplas!
Inda não sou bem velho
para merecer-vos...
Há que contentar-me
com uma ponte móvel
e esparsas coroas.
(Coroas sem reino,
os reinos protéticos
de onde proviestes
quando produzirão
a tripla dentadura,
dentadura múltipla,
a serra mecânica,
sempre desejada,
jamais possuída,
que acabará
com o tédio da boca,
a boca que beija,
a boca romântica?...)
Resovin! Hecolite!
Nomes de países?
Fantasmas femininos?
Nunca: dentaduras,
engenhos modernos,
práticos, higiênicos,
a vida habitável:
a boca mordendo,
os delirantes lábios
apenas entreabertos
num sorriso técnico,
e a língua especiosa
através dos dentes
buscando outra língua,
afinal, sossegada...
A serra mecânica
na tritura amor.
E todos os dentes
extraídos sem dor.
E a boca libeerta
das funções poético-
-sofístico-dramáticas
de que rezam filmes
e velhos autores.
Dentaduras duplas:
dai-me enfim a calma
que Bilac não teve
para envelhecer.
Desfibrarei convosco
doces alimentos,
serei casto, sóbrio,
não vos aplicando
na deleitação convulsa
de uma carne triste
em que tantas vezes
me eu perdí.
Largas dentaduras,
vosso riso largo
me consolará
não sei quantas fomes
ferozes, secretas
no fun do de mim.
Não sei quantas fomes
jamais compensadas.
Dentaduras alvas,
antes amarelas
e por que não cromadas
e por que não de âmbar?
de ânbar? de âmbar!
feéricas dentaduras,
admiráveis presas,
mastigando lestas
e indiferentes
a carne da vida!
Carlos Drummond de Andrade, a Onestaldo de Penafort, em Sentimento do Mundo

3 comentários:

  1. eu sabia falar esse poema no tempo em que a terra era plana e os bichos falavam.

    qualquer dia destes esqueço o meu próprio nome.

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    1. Será, Roberto? Mas não duvido, porque tudo é possível, embora existam certas coisas que nunca esquecemos, por mais que tentemos. Parece que ficam encobertas
      por uma cortina cinzenta, impermeável :)

      beijo

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  2. Grande Drummond! Virou mantra falar isso...rs...mas eu e ele (o Deummond) nascemos no mesmo 31 de outubro de anos distantes. O Dia da Poesia. E o meu primeiro poeta na vida. Belas escolhas sempre, Ci.

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