DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

02/08/2012

Do sentimento de não estar totalmente


Sempre serei criança para muitas coisas, mas dessas crianças que trazem em si o adulto desde o princípio, de maneira que quando o monstrinho vira realmente adulto acontece que este por sua vez traz em si a criança, e nel mezzo del camin se dá uma coexistência poucas vezes pacífica de ao menos duas aberturas para o mundo.
Isto pode ser entendido metaforicamente, mas de qualquer modo indica um temperamento que não renunciou à visão pueril como preço da visão adulta, e essa justaposição que caracteriza o poeta e talvez o criminoso e também o cronópio e o humorista (questão de dosagens diferentes, de acentuação paroxítona ou proparoxítona, de escolhas: agora eu jogo, agora eu mato) se manifesta no sentimento de não estar totalmente em qualquer das estruturas, das teias que a vida constrói e onde somos ao mesmo tempo aranha e mosca.
Muito do que escreví se classifica sob o signo da excentricidade, porque nunca admití uma clara diferença entre viver e escrever; se ao viver consigo disfarçar uma participação parcial nas minhas circunstâncias, não posso porém negá-la no que escrevo porque escrevo precisamente por não estar ou por só estar pela metade. Escrevo por incapacidade, por descolocação; e como escrevo num interstício, estou sempre propondo que outros procurem os seus e por eles olhem o jardim onde as árvores têm frutos que são, naturalmente, pedras preciosas. O monstrinho continua firme.
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Adolescente, pensei como tantos outros que o meu contínuo estranhamento era um sinal anunciador do poeta e escreví os poemas que se escrevem por então e que sempre são mais fáceis de escrever que a prosa nessa altura da vida que repete no indivíduo as fases da literatura. Com o passar dos anos descobrí que, se todo poeta é um estranhado, nem todo estranhado é poeta na acepção genérica do termo. Estamos aqui em terreno polêmico, que entre na dança quem quiser.
Julio Cortázar, em A volta ao dia em 80 mundos - Civilização Brasileira

4 comentários:

  1. Oi, querida Ci!
    Estou aqui também pisando num terreno movediço, o da conexão da internet. Falo sério, meu provedor pirou e mal consigo comentar meus amigos. Isso está virando uma tortura, essa politicagem dessas operadoras é um negócio vergonhoso. Enfim, vou te desejar um ótimo final de semana e, óbvio, dizer que Cortázar nos orgulha como latino americanos.
    Beijos, amiga! (antes que me cortem!Rsrs)

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  2. A propósito, você tem visto os filmes colombianos, argentinos, uruguaios e até paraguaios que estão lançando ultimamente?
    Olha, coisa de deixar muito cineasta famoso de queixo caído. Estou me praparando para tentar fazer uma resenha do "Hamaca Paraguaya".
    Tô indooooooo...ai, que medo de me cortarem!!!!

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  3. UN TEXTO LLENO DE MUCHAS PROFUNDIDADES EN EL VILO.
    UN ABRAZO

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