18.05.1927
Há uma espécie de sensação fincada da insuficiência, da sarapintação, que me estraga todo o europeu cinzento e bem arranjadinho que ainda tenho dentro de mim. Por enquanto, o que mais me parece é que tanto a natureza como a vida destes lugares foram feitos muito às pressas, com excesso de castro-alves. E esta pré-noção invencível, mas invencível, de que o Brasil, em vez de se utilizar da África e da Índia que teve em si, desperdiçou-as, enfeitando com elas apenas a sua fisionomia, suas epidermes, sambas, maracatus, trajes, cores, vocabulários, quitutes... E deixou-se ficar, por dentro, justamente naquilo que, pelo clima, pela raça, alimentação, tudo, não poderá nunca ser, mas macaquear, a Europa. Nos orgulhamos de ser o único grande (grande?) país tropical.... Isso é o nosso defeito, a nossa impotência. Devíamos pensar, sentir como indianos, chins, gente de Benin, de Java... Talvez então pudéssemos criar cultura e civilização próprias. Pelo menos seríamos mais nós, tenho certeza18.
Mário de Andrade
Em maio de 1927, Mário de Andrade saiu de São Paulo na companhia de três amigas com o objetivo de conhecer um pouco das regiões Norte e Nordeste. Durante esse período fez muitas anotações sobre o que via, quais as suas impressões, e ía registrando também em fotos, como fez com o seu autorretrato. Mais tarde, essas anotações quase que diárias foram transformadas no livro O turista aprendiz.
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