DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

29/12/2017

Ora, direis...!?

 
Passou uma "nuvem" e encobriu tudo que estava escrito a esmo;"a esmo" também acontecem coisas que não nos damos conta num primeiro momento, e aí já está feito; estamos quase que inteiramente teleguiados, de cabeça curvada sobre nossos umbigos transformados em telefones "inteligentes", mas todos têm a ilusão de que estão conectados com tudo e com todos; tem o diabo de uma tabela que não alinha o texto como eu quero;já mexi em todo o teclado e não encontro a tecla certa. Tá parecendo aquelas máquinas "humanas" que querem porque querem mandar no país, se plantam nas cadeiras do poder e passam a querer ditar regras à revelia do povo que as sustentam, aos trancos e barrancos!
E ainda tem umas "entidades invisíveis" que adentram repentinamente o computador com recados ameaçadores na
tentativa de amedrontar o usuário, para que o forcem a obedecer seus "bons conselhos" alegando questão de "segurança", e eu me pergunto: segurança para quem? 
Às vezes, o melhor a fazer é dar umas boas risadas, levantar-se, ir até ao banheiro e dar uma boa mijada!
Sai ano, entra ano, e a ladainha continua a mesma: sorria,
seja feliz, se empanturre na comilança, (mesmo que você não tenha onde cair morto), tome um porre e se encharque na lama, pois amanhã, como num passe de mágica, será outro dia!
 E vamos consumir cada vez mais o supérfluo, OH!
Ora, direis...
Dirás mesmo?

26/12/2017

Machado de Assis fala sobre "um assunto de comestíveis"

 
 
[...]

 

Porquanto, a dita Câmara Municipal, perguntando-lhe o procurador se podia mandar fornecer jantar ao Tribunal do Júri, quando as sessões se prolongassem até tarde, respondeu que não, visto que tal despesa não se acha autorizada em lei.
Teve razão a Câmara, teve-a duas vezes: a primeira porque a lei o veda e a obediência à lei é a necessidade máxima; a segunda, porque o jantar é, de certo modo, um agente de corrupção. Não me venham com sentenças latinas: primo vivere, deonde judicare.* Não me venham com considerações de ordem fisiológica, nem com rifões populares, nem com outras razões da mesma farinha, muito próprias para embair ignorantes ou colher descuidados, mas
sem nenhum valor ou alcance para quem olhar as coisas de
certa altura. A questão é puramente moral e a presença do rosbife não lhe diminui nem lhe troca a natureza. Não me
venham também com o jantar na política, porque, em certos casos, não há incompatibilidade entre o voto e o prato de lentilhas; e politicamente falando, o paio é uma necessidade pública. O caso dos jurados é outra coisa.
A primeira e inevitável consequência do jantar aos jurados
seria a condenação de todos os réus, não porque o quilo implique severidade, mas porque induz à gratidão. Como se
sabe, absolvidos os réus, paga a municipalidade as custas; não é crível que um tribunal de homens briosos e generosos
condene a mão que lhe prepara o jantar. Convém contar com o pudor dos estômagos. Acresce que a digestão é variável em seus efeitos. Umas vezes inclina ao cochilo, e não se pode calcular que inúmeros erros judiciários sairão de um tribunal que dorme a sesta; outras vezes o organismo precisa de locomoção, e as sentenças cairão da pena como frutas verdes que um rapaz derruba. Não cito o
caso dos que fazem o quilo entre a espadilha e o basto e ficariam impacientes por sair; caso verdadeiramente assustador, visto que a maior das nossas forças sociais é o
voltarete.**
Cotejem agora as inconveniências do jantar com as vantagens do jejum. O jejum, um estado de graça espiritual
é uma das formas adotadas para macerar a carne e seus maus instintos. A satisfação da carne torce a condição humana, igualando-a à das bestas; ao passo que a privação
amortece a condição bestial e apura a outra; fortifica, portanto, o ser inteligível, aclara as ideias, afina e eleva a concepção da justiça. A sopa tem suas vantagens, o assado não é em si mesmo uma abominação; pode-se almoçar e querer bem, não há incompatibilidade absoluta entre a virtude e a couve-flor. A justiça, porém, requer alguma coisa menos precária, mais certa; não se pode fiar de hipóteses, de casualidades, de temperamentos.
O que me admira neste caso, não é a decisão da Câmara, que aplaudo, desde que é fundada em lei, e o respeito da lei
é a primeira expressão da liberdade. O que me admira é que só agora reclame o júri um bocado de pão. Pois nunca pediu o júri um verbazinha para os seus pastéis? Só agora
há estômagos naquele tribunal? Só agora há processos longos e juízes famintos? Tanto pior; se esperam tantos anos, podem esperar alguns mais.
 
Machado de Assis, em Crônicas selecionadas- 01 de setembro de 1878
 
* "primeiro viver, depois julgar"
 
** jogo de cartas entre três pessoas, com 40 cartas.

20/12/2017

Cansaço


 

A verdade é que o Brasil às vezes enche. A gente vai achando interessantes as conversas: o presidente disse ao ministro fulano que o ministro sicrano era assim ou assado; ontem houve uma briga naquela boîte por causa da mulher de beltrano; João conseguiu levantar 15 milhões de cruzeiros no Banco do Brasil; Pedro vai ser nomeado embaixador; Manuel já está arrumando as gavetas para deixar o cargo; Joaquim avalizou uma promissória em troca de uma promessa de Antônio de não atacar Fagundes; o deputado tal recebeu as provas de uma tremenda bandalheira que, entretanto, ao que parece, não revelará;
os generais Antão e Beltão estão encabeçando um movimento no Exército no sentido de fazer sentir ao ministro que não é conveniente a promulgação de tal projeto; Praxedes já está convidando gente para formar seu gabinete; um grupo de industriais vai promover uma campanha para evitar a exportação de barbatimão para o Irã; um parente do presidente prometeu grandes ajudas se lhe derem a diretoria da associação meridional de tênis de mesa...notícias sobre deputados estaduais e jogo de bicho, sobre Cexim, Cofap...
O Brasil, às vezes enche. Principalmente nesta grande e quente aldeia que é o Rio de Janeiro onde, com meia hora de conversa em um clube ou uma boîte, qualquer pessoa fica sabendo das ligações, dos compromissos, das fraquezas
e das tediosas intimidades de um pequeno grupo de pessoas que se ajudam, se enganam, se friccionam, se alisam - essas pessoas que se acreditam e, ao menos aparentemente, são mesmo o Brasil. Pessoas eternas; podem sumir da vida pública depois de anos e anos de destaque e também de incompetência, fraqueza, desonestidade; subitamente, alguém tem um ataque de imaginação e as chama de volta, como se houvesse neste país uma trágica miséria de gente.
Pedro Nava costuma dizer que o brasileiro é tão desleixado
que só enterra o morto da família porque, se não enterrar, o morto começa a cheirar mal. Se não fosse isso - diz ele, que é médico, conhece por dentro a displicência de nossa gente - um parente deixaria que o outro fosse providenciar os papéis, o outro deixaria para amanhã, amanhã diria que afinal quem devia ver isso é o Tonico, e o Tonico prometia ver, mas depois que acabasse a irradiação do jogo, e afinal no dia seguinte explicaria que encontrara um amigo que tinha conhecido numa empresa fúnebre e prometera ver se conseguia um enterro de primeira por um preço de segunda - e assim por diante. A defesa do morto é mesmo cheirar mal. Mas a dos vivos, não. Parece que quanto mais cheiram mal, melhor. Por favor, não pensem que eu estou me referindo a fulano ou a sicrano. Não estou me referindo especialmente a ninguém; estou apenas, neste fim de tarde depois de um dia em que ouvi tanta conversa, um pouco fatigado de nosso querido Brasil.
Porque o Brasil, às vezes, enche.
 
Rubem Braga, Correio da Manhã, outubro de 1952

17/12/2017

E o mundo não se acabou


Composição de Assis Valente, Sto.Amaro BA -  (1902-1958)
 


12/12/2017

O tico-tico tá comendo o meu fubá...


O tico-tico tá,
tá outra vez aqui
o tico-tico tá comendo
o meu fubá...
O tico-tico tem,
tem que se alimentar...
Que vá comer
 umas minhocas no pomar
 
Ó por favor, tire esse bicho
do celeiro, porque
ele acaba comendo
o fubá inteiro!
Tire esse tico-tico
de cá de cima do meu fubá
Tem tanta coisa que ele pode pinicar
Eu já fiz tudo pra ver se conseguia
Botei alpiste pra ver se ele comia,
botei um gato, um espantalho
e alçapão, mas ele acha
que fubá é que é a boa alimentação!
 

 Música de Zequinha de Abreu e letra de Eurico Barreiros
 

06/12/2017

 

A vida é muito simples, tão simples que alguns que se julgam muito "espertos" estão sempre tentando nos tratar como se fôssemos simplórios, destituídos de cérebros. Tem sido assim desde os tempos em que aqui aportaram as caravelas europeias com suas bugigangas, balas de festim e espelhos mirabolantes.
Índios, negros, e mulheres sempre foram tratados por uma elite dominante como seres inferiores, sem capacidade para raciocinar. E como conseguem isso? Tomando de assalto tudo o que nos pertence, se apropriando de nossas riquezas, da nossa força de trabalho, de nossas cabeças. Quando o Brasil era colônia de Portugal, o rei daquele país monopolizava toda e qualquer informação não permitindo que a população tomasse conhecimento dos fatos que ocorriam. De lá para cá, os meios de comunicação passaram para as mãos das famílias de maior poder aquisitivo do país,  permanecendo até hoje: manipulando, distorcendo, e pior,  desinformando a população.
Os índios foram barbaramente massacrados. De uma população de mais de 5 milhões de indivíduos, hoje restam aproximadamente uns seiscentos e poucos mil. Os negros africanos  foram arrancados brutalmente do seu país, escravizados, acorrentados e obrigados a trabalhar de graça para os grandes senhores de terra daqui, da Europa e dos EUA. Deram seu sangue, suas vidas para o enriquecimento das nações do mundo inteiro. O que receberam em troca? Pobreza, desprezo e discriminação, muita discriminação!
E as mulheres? Essas, sempre foram tratadas como objetos para satisfazer os instintos sexuais dos machos. Se hoje tem havido alguma melhoria na vida da mulher, se deve a uma luta diária, persistente e à custa de muito sacrifício. Ainda assistimos a muitos casos de estupros, de espancamentos e mortes no recesso de seus lares; somos usadas em campanhas publicitárias de automóveis, de lingeries, cerveja, e nos bailes funkies somos chamadas de "cachorras", popozudas, mulher-fruta, mulher-melancia, sempre vulgarizando o corpo da mulher. Existem muitos homens que acreditam que "mulher gosta mesmo é de apanhar" A impunidade ainda prevalece, a "justiça" dispõe de leis ambíguas, de recursos que possibilitam a liberdade do criminoso.  A ideia de que a mulher é dependente do homem, de que é o "sexo frágil" é tão arraigada e tão difundida, que uma boa parcela das mulheres não só acredita nisso, como até (des)educa seus filhos e filhas a partir desse ideário machista, embora sejam elas as provedoras de uma grande parcela das famílias atualmente 
Já tivemos muitas mulheres corajosas, que deram suas vidas por acreditar na emancipação da mulher e da sociedade: Jovita Feitosa, Bárbara de Alencar, Maria Quitéria, Anita Garibaldi, Chiquinha Gonzaga, sem contar as milhares de mulheres anônimas que labutam ainda hoje por uma vida digna e respeitável. Eu também não vim ao mundo apenas para ouvir e ver a banda passar. Quero fazer parte da orquestra, cantar e dançar junto com ela e os outros. Não quero ser representada por  alguém que desrespeite a mim e a meus semelhantes, que espanca mulheres, que manipula a imprensa e atende a interesses internacionais estranhos a meu país. Não vivemos num mar de rosas, ainda há um longo caminho a ser percorrido, muitos erros a serem corrigidos, mas já estivemos muito, mas muito pior. Nem os caranguejos andam para trás, eles dão voltas até alcançar o seu objetivo. Protestar, discordar, é legítimo, é um direito de cada cidadão. Mas aliar-se, omitir-se ou apoiar aqueles que desejam destruir tudo o que conquistamos até hoje, é, no mínimo, ser conivente com aqueles que só almejam continuar fazendo parte de uma pequena elite possuidora das maiores fortunas do país!

30/11/2017

Pedir desculpas

 


Muita gente que joga pedra e esconde a mão pede desculpas justamente para continuar como antes. É que pedir desculpas não custa nada.Mais ou menos como a história dos arrependidos. Outrora, alguém que se arrependia de seus malfeitos primeiro tratava de repará-los de algum modo e depois se dedicava a uma vida de penitência, refugiava-se na Tebaida*, flagelando o peito com pedras pontiagudas ou ia tratar dos
leprosos na África Negra. Hoje, o arrependido se limita a denunciar seus ex-companheiros e depois ou goza de cuidados especiais com nova identidade em confortáveis apartamentos reservados ou sai mais cedo da cadeia e escreve livros, concede entrevistas, encontra chefes de Estado e recebe cartas apaixonadas de mocinhas românticas.
[...]
O problema é que, se quem fez o mal ainda está vivo, pode
pedir desculpas pessoalmente. Mas e se tiver morrido? Quando João Paulo II pediu desculpas pelo processo a Galileu, ele mostrou o caminho. Mesmo que o erro tivesse sido cometido por um antecessor, quem pede desculpas é o
herdeiro legítimo. Por exemplo: quem deve pedir desculpas
pelo massacre dos inocentes? O culpado foi Herodes, que governava Jerusalém e, portanto, seu herdeiro legítimo é
o governo israelense. Por outro lado, ao contrário do que são Paulo acabou de nos fazer acreditar, os verdadeiros e diretos responsáveis pela morte de Jesus não foram os infames judeus, mas o governo romano e quem estava aos pés da cruz eram os centuriões e não os fariseus. Com o desaparecimento do Sacro Império Romano, o único herdeiro que resta do governo romano é o Estado italiano e
portanto, é o presidente Giorgio Napolitano quem deve pedir desculpas pela crucificação. [...]
Haveria, aliás, alguns casos embaraçosos. Quem pede desculpas pelas confusões armadas por Ptolomeu, verdadeiro inspirador da condenação de Galileu? Se, como se diz, ele nasceu em Ptolemaida, que fica na Cirenaica, o desculpante deveria ser Ghedafi, mas se nasceu em Alexandria, deveria ser o governo egípcio. Quem pede desculpas pelos campos de extermínio? Os únicos herdeiros vivos do nazismo são os vários movimentos naziskin, que realmente não têm o menor jeito de quem pretende pedir desculpas; na verdade, se pudessem fariam tudo de novo.
[...] O problema é saber quem são hoje os "verdadeiros" herdeiros do fascismo e confesso que esta questão me embaraça.
 
Umberto Eco (1932-2016) em Pape Satàn Aleppe - crônicas de uma sociedade líquida - Edit. Record, 2017
 
* Tebaida é derivada da palavra Tebas, antiga capital do
Egito, às margens do mar Mediterrâneo. No século V d.C.,
foi refúgio de cristãos e eremitas.

25/11/2017

Almas mortas

 
 
 
Depressa tudo se transforma no ser humano: nem ele próprio percebe como cresce dentro dele um verme terrível
que se apropria de toda a seiva vital. E, mais de uma vez,
 a paixão - grande ou mesquinha - cresce em um indivíduo que nasceu para coisas melhores, obrigando-o a esquecer seus deveres, transformando o que é grande em trivialidades mesquinhas.
Incontáveis como as areias do mar são as paixões humanas
e todas elas diferem entre si; e todas elas, as vis como  as
nobres, a princípio são dominadas pelo homem, para logo depois se transformarem em seus tiranos.
[...] Sim, meus leitores, vós preferiríeis não tomar conhecimento da miséria humana. Para que, dizeis vós, qual
é a utilidade disso? Então não sabemos que existe muita coisa ridícula e desprezível na vida? Melhor seria se nos mostrassem o belo, o aprazível. Melhor seria que esquecêssemos, que escapássemos disso! Para que me dizeis que os negócios vão mal em minha terra? Isso, meu amigo, sei sem a tua ajuda. Será que não tens outros assuntos para mim? Deixa-me esquecer essas coisas, não
quero saber delas, só assim ficarei feliz. E assim o dinheiro
que poderia servir para colocar os negócios em ordem será
empregado em recursos que levam ao esquecimento.
 
Nicolai Vassilievitch Gogol (Ucrânia, 1809-1852) em
Almas Mortas

20/11/2017

Dia da Consciência Negra


Renata Éssis, backing vocal de Liniker e os Caramelows
 
Ainda precisamos do Dia da Consciência Negra porque vivemos em uma sociedade na qual pessoas negras são
tratadas como cidadãos de segunda classe. Na qual ofensas
graves a pessoas negras são levadas como piadas ou amenidades. Na qual a completa inexistência de oportunidades é vista como falta de mérito. Esse dia existe
para mostrar que há uma dívida histórica com a população
negra - não só no Brasil, mas no mundo inteiro.
 
Miriam Alves, escritora e poeta com publicações nos Cadernos Negros
 
Precisa de um Dia da Consciência Negra? Na verdade não
precisaria. Era só um dia, que passamos a comemorar por
uma semana e agora comemoramos o mês todo como sendo da Consciência Negra. (...) A gente é preto de janeiro
a janeiro, então a discussão precisa ser feita de janeiro a janeiro.
 
Cida Bento, coordenadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEER)
 
Precisamos do Dia da Consciência Negra para nos apropriarmos do nosso poder enquanto maioria da população do Brasil e utilizarmos pra dar um basta na bandalheira que estamos vivenciando em nosso país.

 



 
A nossa escrivivência não pode ser lida como histórias para "ninar os da casa grande", e sim para incomodá-los em seus
sonos injustos.
Conceição Evaristo, escritora - Belo Horizonte,1946
 
***
 
Ferro
 
Primeiro o ferro marca
a violência nas costas.
Depois o ferro alisa
a vergonha nos cabelos.
Na verdade o que se precisa
é jogar o ferro fora
e quebrar todos os elos
dessa corrente
de desesperos.
 
Cuti, em Batuque detocaia
 
 
O negro pronto
está se fazendo sempre
ponto por ponto
 
atento contra o jogo da humilhação e
do cansaço
 
chegando a ficar tonto
de tanta lucidez
sem porre de talvez
ou preguiça
 
mergulha de vez
no sumo de ser-se
no húmus do outro
 
se funde em tudo que for possível
ou mesmo se confunde
ou até cai no
poço
do
nada
mas foge da cela
ludibria ciladas
 
com suor dilui espinhos
do horizonte cria músculos
e semeia o novo crepúsculo
 
o negro pronto
está se fazendo sempre
ponto por ponto
na decifração das marcas
transfigurando povo
em Flash crioulo
 
Cuti (Luís Silva - nasceu em Ourinhos-SP, mestre em Literatura Comparada e doutor em Literatura Brasileira pela Unicamp-SP)

17/11/2017

Economia

 
 
Nos nossos trens de subúrbios passam-se às vezes coisas bem divertidas. Já não se fala das altercações entre os auxiliares e os passageiros por causa de passagens, passes etc. Os regulamentos são tão exigentes, e o público está tão disposto a lesar o Estado, que esses atritos hão de se dar sempre.
Há também as conversas que são interessantes.
Um companheiro de banco volta-se para nós e diz, depois de ler o seu jornal:
- Veja só, o senhor, como vai este país. Ladroeira sobre ladroeira. Não há governo que conserte isso. Eu endireitava isso em oito dias...Não querem emissão de papel-moeda...
Que querem? Ouro. Nuca vi disto aqui desde que me conheço...E são financeiros?
Um outro, logo que se senta, pergunta:
- O senhor é empregado público?
Afirmamos que somos e dizemos de que repartição. Ele continua:
- É uma boa repartição. A minha não presta para nada. Estou lá há vinte anos e ainda não tive uma promoção. Se estivesse na sua, talvez já fosse chefe de seção. Demais, na
minha, há uns tantos que não fazem nada, mas não deixam nós sermos chefes. No comércio, eu já estava rico, mas quis
casar-me cedo, foi essa desgraça...
Como essas muitas outras que não contamos para não enfadar. Entretanto, vamos narrar esta pequena anedota bem cômica.
Um dia destes, viajando num carro de segunda classe, havia um passageiro que trazia cuidadosamente um embrulho. Chegou a hora da cobrança das passagens, e ele colocou com cuidado no colo, preso às pernas, o volume. Pôs-se a procurar pelas algibeiras o bilhete de passagem.
Chega o condutor, ele faz um movimento qualquer, o embrulho move-se, abre-se, salta uma galinha a cantar
- Cocorococó! Cocorococó!
O passageiro corre atrás do bicho e o condutor atrás:
- Pague a multa! Pague a multa!
A galinha corre pelo carro todo e o passageiro atrás.
O condutor continua correndo atrás do passageiro:
- Pague a multa!
O passageiro, atrás sempre do bicho, contesta:
- Espere! Espere! Deixe-me apanhar a minha galinha primeiro.
Esta voou pela janela, e o homem teve que entrar com alguns níqueis para os cofres do Estado.

Lima Barreto em Sátiras e outras subversões