DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

24/02/2009

Eu amo a rua. Esse sentimento de natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões não tivesse para julgar, que esse amor assim absoluto
e assim exagerado é partilhado por todos nós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos
parecidos e iguais; nas cidades, nas aldeias, nos povoados, não porque soframos
com a dor e os desprazeres, a lei e a polícia, mas porque nos une, nivela e agremia
o amor da rua. É este mesmo sentimento impertubável e indissolúvel, o único que,
como a própria vida, resiste à idade e às épocas. Tudo se transforma, tudo varia
- o amor, o ódio, o egoísmo. Hoje é mais amargo o riso, mais dolorosa a ironia.
Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis.
Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua.
A rua ! Que é a rua? Um cançonetista de Montmartre fá-la dizer:
Je suis la rue, femme éternellment verte,
Je n'ai jamais trouvé d'autre carrière ouverte
Sinon d'être la rue, et, de tout temps, depuis
Que ce pénible monde est monde, je la suis...*
A verdade e o trocadilho! Os dicionários dizem:"Rua, do Latim ruga,sulco. Espaço
entre as casas e as povoações por onde se anda e passeia." A obscuridade da gramática e da lei! Os dicionários só são considerados fontes fáceis de completo
saber pelos que nunca os folhearam. Abri o primeiro, abrí o segundo, abrí dez,
vinte enciclopédias, manuseei in-folios especiais de curiosidade. A rua era para eles
apenas um alinhado de fachadas, por onde se anda nas povoações...
Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!
Em Benarés ou em Amsterdã, em Londres ou em Buenos Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é a agasalhadora da miséria.
* Eu sou a rua, mulher eternamente viva e nunca tive outra alternativa a não ser
a rua e, desde todo o sempre, desde que este penoso mundo é mundo, sou.."
"A Alma encantadora das Ruas" - João do Rio, pseudônimo do escritor e cronista
carioca João Paulo Alberto Coelho Barreto (1881-1921)

2 comentários:

  1. Maravilha de texto, Cirandeira! Todos temos nossas afinidades com a rua. Só os mestres, como João do Rio, sabem (podem) dizer como são.
    Um grande e afetuoso abraço.

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  2. É verdade Remo, só lamento e não me conformo com o estado deplorável em que se encontram as ruas de nosso país!As imagens falam por elas! Um abraço afetuoso pra ti também.

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