DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

29/09/2010

Do Livro do desassossego - trechos

Fernando Pessoa, de Almada Negreiros


A humanidade tem medo de morrer, mas incertamente.


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E não sei o que sinto, não sei o que quero sentir, não sei o que penso nem o que sou.


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Verifico que, tantas vezes alegre, tantas vezes contente, estou sempre triste.


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Não vejo, sem pensar.

Não há sossego - e, ai de mim! nem sequer há desejo de o ter.


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Assim como lavamos o corpo deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa - não para salvar a vida, como comemos e dormimos, mas por aquele respeito alheio para nós mesmos, a que propriamente chamamos asseio. Há muitos em quem o dessasseio não é uma disposição da vontade, mas um encolher de ombros da inteligência. E há muitos em quem o apagado e o mesmo da vida não é uma forma de a quererem, ou uma natural conformação com o não tê-la querido, mas um apagamento da inteligência de si mesmo, uma ironia automática do conhecimento.


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Há porcos que repugnam a sua própria porcaria, mas se não afastam dela, por aquele mesmo extremo de um sentimento pelo qual o apavorado se não afasta do perigo. Há porcos de destino, como eu, que se não afastam da banalidade cotidiana por essa mesma atracção da própria impotência. São aves fascinadas pela ausência de serpente; moscas que pairam nos troncos ser ver nada, até chegarem ao alcance viscoso da língua do camaleão.


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Assim passeio lentamente a minha inconsciência consciente, no meu tronco de árvore do usual. Assim passeio o meu destino que anda, pois eu não ando; o meu tempo que segue, pois eu não sigo.


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A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.


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A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.



Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa

9 comentários:

  1. Maravilhoso!
    Esse pessoa era mesmo uma pessoa :)
    beijo

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  2. Embora tenha lido, e permaneça lendo, muita poesia de Fernando Pessoa, nunca li O Livro do Desassossego, sequer o tenho. Mas estou aqui surpreso com a correspondência de alguns desses trechos com os poemas que postei hoje, feitos os devidos descontos, claro.

    Beijo.

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  3. E que PESSOA, não é Bi ? Um desassossego que "carregou" durante a sua curta e intensa
    jornada existencial!

    Marcantonio, não me surpreendo com a correspondência entre teus poemas e os de Pessoa, pq também és um "desassossegado" poeta!

    Beijo

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  4. Um livro perfeito no desassossego da sua imperfeição. Um livro sem fim, porque sem princípio, silencioso dentro do seu ruído.
    Pessoa o ENORME Pessoa. :))

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  5. Que beleza de desassossego, não é mesmo? Hoje em dia, temos que conviver com tantos desassossegos e tão pouco literários. Bem, amiga, você me entende, eu presumo.Rsrs.
    Um ótimo final de semana, Cirandeira!!!Bjsss

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  6. E como te entendo, Van! Sei muito bem a que te referes, e concordo inteiramente contigo. E haja paciência!, e haja tolerância! Afe...!?

    Beijão pra ti

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  7. Acho que Pessoa era mesmo grande e grandioso,
    porque continha em si vários eus além dos nossos...!, não é CS?

    Bj

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  8. Onde você foi mexer, no Livro do Desassossego....
    Num livro apenas tem aí leitura para toda a vida. Da boa, da que mexe connosco.

    Beijo :)

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  9. É que eu também sou muito desassossegada!, Agostinho...talvez por isso esteja sempre "mexendo", mesmo sabendo que dificilmente encontrarei sossego!!!

    Beijo

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