Crepúsculo, Van Gogh
Nesses teus quadros ficaram os crepúsculos, as luzes difusas. As silhuetas são metades. Os olhos são perguntas. As cores são ocres e minerais.
Há ruínas e sonhos: dois vultos sobre um solo petrificado, aquele pássaro e aquele rosto sobre a lava vulcânica, e as marcas de pés negros negros sobre o amarelo pedregoso, texturizado. Ancestralidade é o que parece pairar sobre todas as tuas composições: o velho Parthenon, a cena de caça rupestre cintilando no alumínio, aquele estranho ser alado estranho-ser-alado em contraste com o fundo terroso que, por seu brilho ígneo, me remete à descoberta do fogo: salamandra. Teu ser-salamandra é fresta, uma passagem de fogo para outro mundo, a língua-de-fogo que desemboca nas cavernas e nas gargantas de nossos
antepassados.
Quanta saudade nesses cobres avermelhados contra o céu da prússia, nesse vermelho-de-óxido e na siena queimada, e até no amarelo ouro... Há saudade no amarelo quando iluminado pela tua lanterna medieval... Há saudade nas frestas, e há frestas por toda parte!, nas silhuetas, na salamandra-inseto e nos olhos que nos espreitam de teus quadros...Há frestas entre as metades e nas distâncias que nos separam da arte pré-histórica que você quis rememorar, a nostalgia de um tempo que não se viveu. E lirismo, também (permita-me dizê-lo!), de um tipo quase hipnótico, mas não fácil; do tipo que "ousa interrogar as idades"...
Você murmurou alguma coisa como as interjeições primitivas, aqueles indizíveis que o ancestral tentou balbuciar quando se entristeceu ou viu o sagrado pela primeira vez: quando descobriu o raio incendiando uma árvore, a criança agonizando, a lua saindo por detrás da primeira nuvem.E você nos mostra essas interjeições como verdes em vermelhos, como negros em amarelos, como acalantos e tristezas poéticas, algo para se ver e ouvir ao redor do fogo, com olhos de farolete. É a tua versão daquela canção feita de interjeições nascentes, nascidas da visão do mundo visto pela primeira vez.
Difícil imaginar lirismo mais radical. Ou mais triste.
Marcelo Novaes
Nesses teus quadros ficaram os crepúsculos, as luzes difusas. As silhuetas são metades. Os olhos são perguntas. As cores são ocres e minerais.
Há ruínas e sonhos: dois vultos sobre um solo petrificado, aquele pássaro e aquele rosto sobre a lava vulcânica, e as marcas de pés negros negros sobre o amarelo pedregoso, texturizado. Ancestralidade é o que parece pairar sobre todas as tuas composições: o velho Parthenon, a cena de caça rupestre cintilando no alumínio, aquele estranho ser alado estranho-ser-alado em contraste com o fundo terroso que, por seu brilho ígneo, me remete à descoberta do fogo: salamandra. Teu ser-salamandra é fresta, uma passagem de fogo para outro mundo, a língua-de-fogo que desemboca nas cavernas e nas gargantas de nossos
antepassados.
Quanta saudade nesses cobres avermelhados contra o céu da prússia, nesse vermelho-de-óxido e na siena queimada, e até no amarelo ouro... Há saudade no amarelo quando iluminado pela tua lanterna medieval... Há saudade nas frestas, e há frestas por toda parte!, nas silhuetas, na salamandra-inseto e nos olhos que nos espreitam de teus quadros...Há frestas entre as metades e nas distâncias que nos separam da arte pré-histórica que você quis rememorar, a nostalgia de um tempo que não se viveu. E lirismo, também (permita-me dizê-lo!), de um tipo quase hipnótico, mas não fácil; do tipo que "ousa interrogar as idades"...
Você murmurou alguma coisa como as interjeições primitivas, aqueles indizíveis que o ancestral tentou balbuciar quando se entristeceu ou viu o sagrado pela primeira vez: quando descobriu o raio incendiando uma árvore, a criança agonizando, a lua saindo por detrás da primeira nuvem.E você nos mostra essas interjeições como verdes em vermelhos, como negros em amarelos, como acalantos e tristezas poéticas, algo para se ver e ouvir ao redor do fogo, com olhos de farolete. É a tua versão daquela canção feita de interjeições nascentes, nascidas da visão do mundo visto pela primeira vez.
Difícil imaginar lirismo mais radical. Ou mais triste.
Marcelo Novaes