A José Olympio e Daniel
Eis mais um livro (fio que o último)
de um incurável pernambucano;
se programam ainda publicá-lo,
digam-me, que com pouco o embalsamo.
É preciso logo embalsamá-lo:
enquanto ele me conviva, vivo,
está sujeito a cortes, enxertos:
terminará amputado do fígado,
terminará ganhando outro pâncreas;
e se o pulmão não pode outro estilo
(esta dicção de tosse e gagueira),
me esgota, vivo, em mim, livro-umbigo.
Poema nenhum se autonomiza
no primeiro ditar-se, esboçado
nem no construí-lo, nem no passar-se
a limpo do datilografá-lo.
Um poema é o que há de mais instável::
ele se multiplica e divide,
se pratica as quatro operações
enquanto em nós e de nós existe.
Um poema é sempre, como um câncer::
que química, cobalto, indivíduo
parou os pés desse potro solto?
Só o mumificá-lo, pô-lo em livro.
João Cabral de Melo Neto
ResponderExcluirUm poema é o que há de mais instável::
ele se multiplica e divide,
se pratica as quatro operações
enquanto em nós e de nós existe.
Perfeito Isso! :-)
Ah, o que não passa nunca, o que é sempre recém-nascido: um poema atemporal!
Beijos, Ci!
FASCINANTE PENSAMIENTO. GRACIAS POR COMPARTIR.
ResponderExcluirUN ABRAZO
Um dos grandes do Brasil e da Lingua Portuguesa!!!
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