O Javali
O sol caiu no açude
igual a um javali
eriça pelos de luz.
Vai às águas fundas.
Depois flutua em juncos.
O seu dourado focinho.
As nuvens não ligam,
ficam longe, arredias,
as folhas se amoitam
em sombras infiéis.
Alguém diz:
- Está ali a presa, atira,
suja o juncal de sangue,
no amanhã escuro
dos beirais do charco
surgirá a caça morta.
- Nunca, é só engano.
O sol não dorme.
Cai outra vez no açude.
Vai em águas fundas
e novamente flutua eriçado de luz.
Hoje tive o prazer de conhecer a poesia de Deborah Brennand, essa poeta nascida no município de Nazaré da Mata(PE) e que durante muito tempo relutou em publicar seu tesouro. Após os apelos insistentes de seu marido, o artista plástico pernambucano Francisco Brennand, Ariano Suassuna e do poeta César Leal, acabou cedendo. Ainda bem!!
CRUEL MENSAGEM
Morto foi o sonho de um jardim
Por um verão servil, de cruel mensagem
E eu vi raízes, a vida agonizando,
Na lâmina acesa de um punhal.
Os musgos, as heras, as papoulas,
Manchavam a grama seca.
E lírios, junto ao sangue das rosas,
Magoados eram o pasto
De cavalos alheios e famintos.
IGUAL A MÃO
Velhas cortinas de renda
Por sonhos bordando brasões
Agulhas trançaram ouro e linha
Em sombras fugazes de flores
Fantasmas de um morto verão.
Cobrindo vidraças, embaçando a vida,
Escondes desvarios, alucinações,
Olhares perdidos de condessas
Caminhos ocultos na distância
E o vento forte, agitando o pano
Com a rudeza de sua mão.
SEMPRE
Assim, além da cerca, eu espero,
O quê? Não sei. Espero.
Embora só o vento chegue
todo arranhado,
em gemidos,
caindo e já sem sentidos
Jogue aos meus pés as folhas secas.
DE AMARELO
Hoje devo me vestir de amarelo:
espantar os olhos negros da solidão,
tal a luz do girassol de ouro dourado
que abre pétalas iluminando nuvens.
Quem saberá (nem ela mesma) o artifício
usado para enganá-la?
Sonhos? Jardins?
Não digo.
Hoje me visto de amarelo
e vou,
nos ramos, entoar da ave o canto.
Quero espantar olhos de solidão
que vem das grutas e abandona montes
para comer a relva rubra do meu coração.
Mas hoje, de amarelo, espantarei a fera
Fugindo, à procura de outra vítima:
Quem sabe, a mata?