A morte me apareceu certa noite no quarto. Era uma menina vestida de negro, os cabelos loiros escorridos. O vestido era estufado, brilhoso, assim que a vi, soube que era a morte. Recostou-se em um canto da parede à minha frente, os pezinhos cruzados, não usava sapatos.
Então, Hans, está pronto?
Não, respondi-lhe agoniado.
Sorriu, tinha dentes negros e minúsculos. Assustei-me. Esperou que eu me acalmasse e perguntou:
Quanto tempo você ainda deseja?
Algum tempo.
Respondeu-me que era preciso que eu fosse mais preciso. A frase tinha humor e pude até sorrir.
Disse-lhe:
Mais dez anos talvez.
Dez anos talvez, é hoje. Impossível. Não. Para ser mais exata: dez anos e dez dias. O tempo é outro quando eu apareço.
Senti náuseas e uma dor profunda no peito. Ainda pude perguntar-lhe:
Há uma outra vida?
Sim, milhões de crianças como eu. Você será uma delas. É tedioso e até inaceitável, mas é assim.
O espelho do quarto refletiu um menino vestido de negro, calças curtas e camisa comum, os cabelos loiros escorridos.
Olhei-me assombrado. Depois disso, nunca mais me vi.
Publicado em Cascos e Carícias, reunião de crônicas escritas entre 1992-1995 para o Correio Popular, de Campinas(SP)
Um arraso. Quando uma leitura me cala, poderia ficar em silêncio por instantes eternos. Ela me cala. Nossa, como ela me cala!!!
ResponderExcluirBeijos, Ci!
Hilda sempre linda <3
ResponderExcluirLer Hilda Hilst é sempre um (belo) exercício de reflexão. Como é bom vir aqui...
ResponderExcluirBeijo, amiga!
Uau! Hilda!!!
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