DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

13/07/2010

Gritar

"Clio, a musa da História", de Pierre Mignard


Aqui a ação simplificou-se.

Derrubei a paisagem inexplicável da mentira.

Derrubei os gestos sem luz

e os dias impotentes.

Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos.

Ponho-me a gritar.

Todos falavam demasiado baixo

e escreviam demasiado baixo.

Fiz retroceder os limites do grito.


A ação simplifica-se.


Porque eu arrebato à morte essa visão da vida

que lhe destinava um lugar perante mim.


Com um grito

tantas coisas desapareceram

que nunca mais voltará a desaparecer

nada do que merece viver.


Estou perfeitamente seguro que o Verão

canta debaixo das portas frias

sob armaduras opostas.

Ardem no meu coração as estações

as estações dos homens e seus astros

trêmulos de tão semelhantes serem.


E o meu grito nu sobe um degrau

da escadaria imensa da alegria.


E esse fogo nu que pesa

torna a minha força suave e dura.


Eis aqui a amadurecer um fruto

ardendo de frio orvalhado de suor.

Eis aqui o lugar generoso

onde só dormem os que sonham.

O tempo está bom, gritemos com mais força

para que os sonhadores durmam melhor

envoltos em palavras

que põem o bom tempo nos meus olhos.

Estou seguro de que a todo momento

filha e avó dos meus amores

da minha esperança,

a felicidade jorra do meu grito

para a mais alta busca.

Um grito do qual o meu seja o eco.



Paul Éluard, pseudônimo de Eugène Emile Paul Grendel

(1895-1952) - Tradução de Antonio Ramos Rosa/Luísa Neto Jorge

2 comentários:

  1. Nossa! Leva a gente junto. Empresta uma sensação de força e liberdade! Uma pulsão e tanto pela vida.
    Lindíssimo.

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  2. E enquanto isso,meu coração ecoa o silêncio.
    Beijos!

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