Artesanato marroquino
O dia parou nas minhas rugas desde o momento em que a máquina sangrenta e cinza deles passou sobre a nossa casa. É impressionante esse veículo imenso que abre sua garganta para tragar as poucas coisas que nos restavam: um pedaço de terra, um teto e três amendoeiras. É uma máquina que faz barulho, brilha ao sol e explode em gargalhadas quando triunfa sobre as pequenas flores selvagens e frágeis que tentam se reerguer. Ví seus dentes amarelados pelo sangue da terra se quebrarem sobre um monte de areia. Uma brisa levou as raízes da árvore. O céu se abaixou e as recolheu; acho até que elas moram numa pequena nuvem obstinada que não nos deixa mais desde que ficamos sem teto, sem pátria. Teu irmãozinho correu para tirar da poeira pesada os teus livros de escola. Ficamos com medo. A máquina quase o engoliu.
Feridos em nossa terra, humilhados em nossas árvores, lá estávamos nós três, paralisados e habitados por uma morte repentina. Uma parte de nós mesmos, creio que a maior dela, foi assassinada; eles nos arrancaram tudo naturalmente, na madrugada. Ficamos tranquilos; eles abriram nossas chagas e bebemos nossa morte. Ela tem o gosto de selva; tua mãe diz que ela tem perfume de jasmim. O céu se abriu ao chamado do pássaro órfão. O sol tropeçou naquele dia, pois a injustiça fria cavou seu veio em nossa terra, mosso corpo.
Tahar Ben Jelloun, nasceu em Fes (Marrocos). É filósofo, ensaísta, poeta, escritor com mais de quarenta títulos publicados. Vive em Paris, onde colabora permanentemente para o jornal Le Monde.
Parece um bom texto. Existe a mesma tristeza em Raquel de Queirós, nesse largar as coisas que temos. Até mesmo em "Saudosa Maloca" tem esse sentimento, as coisas que fizemos sendo destruídas.
ResponderExcluirEsse texto me despertou um saudosismo, uma nostalgia gostosa que me levou direto a uma goiabeira do mato, sob a qual eu e a bípede costumávamos passar horas brincando, comendo as flores que ela dava. Bjs.
ResponderExcluirDuanne, você diz "parece um bom texto"(!?)
ResponderExcluirTahar Ben Jalloun é um excelente escritor, autor de vários livros traduzidos para mais de quarenta idiomas, e premiadíssimo. É considerado o porta-voz da cultura franco-árabe
na Europa, por contar as histórias de seu povo
numa mescla de realidade nua e crua e muito lirismo.