Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseja por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação. Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos.
Carlos Drummond de Andrade
O poeta de vivências do povo, não está de joelhos, olhos fechados e cabeça baixa,
enquanto os problemas acontecem. Ele faz uma escolha, compromete-se ideologicamente, assume uma posição humanamente, não metafisicamente. Ele está comprometido com o temporal e o circunstancial, precisamente o mundo que o rodeia. Uma preferência pelo sentido estético da palavra tornada arma, utensílio, libelo. E não a palavra feita simples adorno, simples exercício de ócio burguês em paisagem bucólica.
José Craveirinha, poeta moçambicano, nascido em Lourenço Marques (atual Maputo, a capital de Moçambique). Autor de "Xigubo", "O Grito", "O Tambor", entre outros. Foi laureado com o Prêmio Camões em 1991 - (1922-2003)
Angola
Devia olhar o rei
mas foi o escravo que chegou
para me semear o corpo de erva rasteira.
Devia sentar-me na cadeira ao lado do rei
mas foi no chão que deixei a marca do meu corpo.
Penteei-me para o rei
mas foi ao escravo que dei as tranças do meu cabelo.
O escravo era novo
tinha um corpo perfeito
as mãos feitas para a taça dos meus seios.
Devia olhar o rei
mas baixei a cabeça
doce, terna
diante do escravo.
Em "Manual para amantes desesperados", de Ana Paula Tavares, poeta angolana de Lubango, província de Huíla.
Sempre atenta!
ResponderExcluirTal como já é hábito por aqui, um post muito pertinente, e que dava para um bom papo.
Beijo :)
Pertinentíssimo, Agostinho, afinal de contas
ResponderExcluirsão declarações de dois grandes poetas, consagrados internacionalmente...
Se não podemos aprofundar um papo sobre o assunto, pelo menos nos leva a reletir, não é?
beijooo :)
Armas dos peotas: sentimentos do mundo e palavras.
ResponderExcluirBelo Post!
Hoje, ouvi uma pessoa atirar pedras em poesias e fiquei com o coração partido :(
ResponderExcluirQuen atira pedras em poesias está irremediavelmente fadado ao insucesso,
ResponderExcluirporque a Poesia é como a Lua, como o Sol,
é INALCANÇÁVEL !! E sempre brilhará...
beijo :)
E como dava um bom papo! Por essas e outras penso 500 vezes antes de me dizer poeta. Gosto mais da citação de Drummond que parece ter um sentido mais amplo sem deixar de incluir a contingência existencial e histórica. Já Craveirinha, embora pareça estar falando de 'um' tipo de poeta, ao frisar pejorativamente o ócio burguês, elege esse poeta como o ideal, ou o verdadeiro. Não sei... A poesia parece ir além. Picasso dizia ser a pintura uma arma de combate; mas ele não foi só Guernica. Goya gravou os absurdos da guerra, mas pintou a angústia existencial e metafísica. Na Divina Comédia há política, mas também há muito mais. O Canto Geral de Neruda parece envelhecer, enquanto sua poesia lírica permanece fresca. E assim tantos outros "aparentemente" alienados de seu tempo. A poesia parece falar de algo comum ao humano,e que esse humano não sabe definir. Por isso concordo tanto com a citação de Lorca que há aqui na barra lateral.Mas essa questão, eita!, é antiga e vai longe...
ResponderExcluirBeijo.
Poetas, pintores, excritores, livres-pensadores, enfim, somos antes de tudo humanos,
ResponderExcluire como tais, imperfeitos, cheios de contradições, não é, Marcoantonio? O interessante é termos oportunidade de conhecer
vários pontos de vista, várias maneiras de pensar. Acho muito enriquecedor quando podemos
polemizar, contraditar. Cada um deles complementa o outro e vamos acrescentando e tirando também, para, quem sabe, obter um denominador comum, mesmo que provisoriamente,
porque estamos sempre mudando, queiramos ou não
"la nave va..."
Beijo
"E pur si muove..."!
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