DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

16/01/2011

O excesso mais perfeito




Queria um poema de respiração tensa e sem pudor.
Com a elegância redonda das mulheres barrocas
e o avesso todo do arbusto esguio.
Um poema que Rubens invejasse ao ver,
lá no fundo de três séculos,
o seu corpo magnífico deitado sobre um divã
e reclinados os braços nus,
só com pulseiras tão (mas tão) preciosas,
e um anjinho de cima,
no seu pequeno nicho feito nuvem,
a resguardá-lo, doce.
Um tal poema queria.
Muito mais tudo que as gregas dignidades
de equilíbrio.
Um poema feito de excessos de dourados,
e todavia muito belo na sua pujança obscura
e mística.
Ah, como eu queria um poema diferente
da pureza do granito e da pureza do branco,
e da transparência das coisas transparentes.
Um poema exultando na angústia,
um largo rododendro cor de sangue.
Uma alameda inteira de rododendros por onde o vento
ao passar, parasse deslumbrado
e em desvelo.
E alí ficasse, aprisionado ao cântico
das suas pulseiras tão (mas tão) preciosas.
Nu, de redondas formas, um tal poema queria.
Uma contra-reforma do silêncio.
Música, música, música a preencher-lhe o corpo
e o cabelo entrançado de flores e de serpentes,
e uma fonte de espanto polifônico
a escorrer-lhe dos dedos.
Reclinado em divã forrado de veludo,
a sua nudez redonda e plena
faria grifos e sereias empalidecer.
E aos pobres templos, de linhas tão contidas e tão puras,
tremer de medo só de fulguração
do seu olhar. Dourado.
Música, música, música e a explosão de cor.
Espreitando lá do fundo de três séculos,
um Murilo calado, ao ver que simples
eram os seus anjos
junto dos anjos nus deste poema,
cantando em conjunção com outros
astros louros
salmodias de amor e perfeito excesso.
Gôngora empalidecer
como os grifos,
agora que o contempla.
Esta contra-reforma do silêncio.
A sua mão erguida rumo ao céu, carregada
de nada.



Ana Luísa Amaral, Em Às vezes o paraíso
"A leitora", tela de Pierre-August Renoir

2 comentários:

  1. Um belo poema. E também, diria, um erudito poema.

    O excesso, tal qual o queria Blake, levando à sabedoria?

    Beijo.

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  2. BELLO TEXTO, MUY INTERESANTE. ME GUSTA.
    UN ABRAZO

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