DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

31/08/2011

Un poema de Alfonsina Storni

Crucificación - Titus Carmel

Tenias miedo de mi carne mortal

y en ella buscabas

el alma immortal...

Para encontrarla, a palabras duras,

me abrias grandes heridas.

Entonces te inclinabas sobre ellas y aspirabas,

terrible, el olor de mi sangre.


*****


Tinhas medo de minha carne mortal

e nela buscavas

a alma imortal...

Para encontrá-la, com duras palavras,

me abrias profundas feridas.

Então, te inclinavas sobre elas e aspiravas,

terrível, o cheiro do meu sangue.


Alfonsina Storni, nasceu na Suíça em 1892 e aos 4 anos de idade mudou-se com a família, para a Argentina, falecendo em 1938.

30/08/2011

Ficção ou realidade?




Ontem, fui como que alçada às nuvens! Não que eu quisesse ou tivesse escolhido espontaneamente, muito pelo contrário: foi um tomamento de vontade, um arremesso em direção à lua. Tudo em volta foi se tornando nebuloso, enevoado, e soprava uma brisa suave que me adormecia. Foi então que ela falou comigo, a lua direta, brilhante, mas tão brilhante que fiquei encadeada e mergulhei mais profundo ainda do que desejava porque não tinha forças para reagir. - Ando muito desiludida com o que estão fazendo comigo - ela disse. Perguntei-lhe por que? e ela meio irritada falou do sputinick, da primeira viagem feita pelos russos ao seu território e de muitas outras posteriores feitas pelos norte-americanos; que até o cavalo com o são jorge tinham desaprecido, que o lobo não uivava mais quando ela ficava cheia e que ainda por cima, pasmem!, que aqui na terra tinham inventado o adjetivo lunático quando queriam desqualificar uma pessoa diferente das demais, isso é o cúmulo do desrespeito!, bradou. Lamentou a falta de respeito para com as suas fases que regiam as marés, a agricultura e até certos temperamentos mais sensíveis. Faz pouco tempo que conseguí emergir e dar-me conta de que às vezes a ficção torna-se tão realidade que não conseguimos distinguí-las...!

26/08/2011

Às vezes...



Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,

Em que as coisas têm toda a realidade

{que podem ter,

Pergunto a mim próprio devagar

Porque sequer atribuo eu

Beleza às coisas,

Uma flor acaso tem beleza?

Tem beleza acaso um fruto?

Não: têm cor e forma

E existência apenas.

A beleza é o nome de qualquer coisa

{ que não existe

Que eu dou às coisas em troca do agrado

{que me dão.

Não significa nada.

Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,

Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras

{dos homens

Perante as coisas,

Perante as coisas que simplesmente existem,

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!


Fernando Pessoa, publicado na revista Atena, 1925

Tela de Paul Cézanne (acima)

24/08/2011

Ninguém bateu à porta...!



Hoje ninguém bateu à porta. Também ontem não.
A casa não está vazia porque ela sempre está povoada de hóspedes muito especiais que me fazem companhia, contam-me histórias maravilhosas, (às vezes nem tanto!), me falam de outras ilhas, de outros mares, mostram-me caminhos, bifurcações de veredas. Às vezes me ajudam a decidir-me quando estou numa encruzilhada.
O lançar da rede pra pescar; o balanço dela pra ninar as ondas do mar do cérebro... A dor nas alças subterrâneas das entranhas do ser da terra o escuro, o vazio do Nada. Nada existe? Existirá o Nada?

São perguntas de quem navega apenas em ondas cibernéticas que em questão de milésimo de milésimos de segundos atravessarão todos os mares e oceanos irremediavelmente...! Adiós, pampa mia! Adiós!!!


Ilustração de Saul Steinberg

23/08/2011

"Lima Barreto é compadre de Tolstói"






O compadrio ou a amizade entre compadres é uma das relações sociais mais fortes ainda hoje em várias partes do Brasil, inclusive, por vezes, mais do que as consanguíneas. Especialmente quando se dá via batizados e o padrinho é uma espécie de pai com a função de estar presente na vida do afilhado, ensinando-o a seguir o bom caminho. Pois um dos mais inusitados compadrios acaba de ser revelado em duas publicações: a relação estabelecida entre o escritor Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) e o Conde Leon Nikoláievich Tolstói (1828-1910).
Os trabalhos que apresentam esta relação foram feitos por pesquisadores de literatura de lugares, gerações e trajetórias completamente diferentes: o do inglês Robert John Oakley, Lima Barreto e o destino da literatura, já nas livrarias, e o João Antônio, leitor de Lima Barreto, de Clara Ávila Ornellas, no prelo, a ser lançado em outubro. Ambos revelam que o escritor brasileiro teve em suas obras intenso diálogo e afinidade com o colega russo, tendo-o como uma das principais balisas estéticas para construir sua vasta obra composta de romances, contos, crônicas, reportagens e ensaios. Ornellas desconhece outro caso de tão extrema relação entre o pensador russo e um brasileiro.
Ambos os trabalhos abrem novas perspectivas não apenas para os estudos literários, mas para pesquisas focadas em estudos culturais ou do trânsito das ideias – especialmente entre Brasil e Rússia. O processo de escuta fina dos dois estudiosos deu-se a partir da leitura e apreensão do grande ensaio derivado de uma palestra não dada por Barreto e publicada em 1921, O destino da literatura, no qual lança as suas bases estéticas e localiza como referência o tratado O que é arte?, de Tolstói. No caso de Ornellas, forte evidência se deu ainda ao ler o ensaio Amplius!, também de Barreto.
Eles atestam a importância e atualidade da obra de Barreto para pensar problemas estuturais que ainda persistem no Brasil. Entre eles, destacam-se a discriminação racial e a legião de excluídos – especialmente nas grandes cidades. Para Oakley, Barreto conseguiu mapear e expressar uma séria luta de discursos oriundos dos mais variados lugares da sociedade, “espetáculo cuja intensidade é talvez única em toda a prosa latino-americana”, fazendo dele um autor da maior importância.
Para Ornellas, a escrita barretiana é singular por focar uma realidade à margem da sociedade. Numa época em que se propagavam a estética estrangeira ou os valores clássicos como padrões de arte a serem seguidos, este escritor traz para o espaço literário as casinhas simples do subúrbio com a substância humana que as compõem. Outro aspecto importante em toda sua obra “é tratar questões da atualidade, debatendo criticamente os rumos da sociedade brasileira, principalmente a falta de preservação de memória histórica, as contravenções políticas e sociais orquestradas pela classe dominante e o acirramento das diferenças de classes como ferramenta de opressão econômica, racial, social, perpetuando a manutenção do poder nas mãos de poucos.”

Livro único

Oakley acumula mais de 40 anos de pesquisas e docência em português e espanhol na Universidade de Birmingham. Desde 1970, passou a pesquisar vida e obra de Barreto, do que resultou em sua tese de doutorado publicada como The Case of Lima Barreto and Realism in the Brazilian ‘Belle Époque’ (Edwin Mellen Press, 1998). A edição brasileira ganhou aspectos outros ao manter-se a par da produção barretiana no Brasil e faz desta versão, em muito revisada e atualizada, um livro único.
Oakley levanta entre as principais matrizes de Barreto Hippolyte Taine, Ferdinand Brunetiére, Jean-Marie Guyau e o estudo de Tolstói sobre arte. No seu percurso, prova como estes autores, e especialmente o russo, embasaram sua forte convicção de não fazer arte pela arte – como era comum no início do século passado – e ver como missão literária o promover a solidariedade e a fraternidade social. Para ele, Barreto é movido pelo grande desejo de comunicar uma ideia ou ideias à humanidade e pela humanidade, especialmente como apaixonado leitor de Tolstói.
O miolo do estudo de Oakley é a tese de que Barreto “exprime uma tentativa de dramatizar, como artista tolstoiano, o destino do escritor neste mundo”. Ele cita o romance inacabado Clara dos Anjos, no qual existe uma “forte dimensão histórica, que seria, portanto, um protesto contra a prolongada perseguição ao negro brasileiro”, especialmente em uma república que se diz do e para o povo, mas promove a exclusão social em massa.
Desde o seu primeiro romance, Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), Barreto assume a profunda crítica de como os seus contemporâneos exerciam a frivolidade e o interesse por Paris, insistindo em ficar de costas para o seu próprio país. E Tolstói pontificou, “se quer ser universal, fale de sua aldeia”. Assim como o pensador russo, desde a sua primeira obra até a última, Barreto quer comunicar e discutir a sua realidade com o homem de seu tempo.

Tolstoísta à sua revelia

Em seu doutorado na Universidade de São Paulo, Clara Ornellas estudou em profundidade a obra de João Antônio (1937-1996). Importante escritor e jornalista brasileiro, ele dedicou a maioria de suas obras a Lima Barreto, curiosidade que levou Clara a fazer seu primeiro pós-doutorado exatamente para descobrir o grau dessa relação. O resultado desse estudo foi conclusivo: João era realmente influenciado pelo autor brasileiro. A partir disso, a pesquisadora imergiu em Barreto, descobrindo o compadrio explícito com Tolstói. Tal fato a levou a Portugal para levantar obras de e sobre o russo e escrever João Antônio, leitor de Lima Barreto. No livro, há um capítulo denso e necessário sobre Tolstói. E uma das coisas mais interessantes nesse trabalho é descobrir que João Antônio era um tolstoísta à sua revelia, demonstrando que a influência dele no Brasil não estava limitada apenas às duas primeiras décadas do século passado.
Quanto à presença de Tolstói em Barreto, Ornellas destaca um trecho de Amplius! sobre a visão de literatura do brasileiro. “Parece‑me que o nosso dever de escritores sinceros e honestos é deixar de lado todas as velhas regras, toda a disciplina exterior dos gêneros, e aproveitar de cada um deles o que puder, e procurar, conforme a inspiração própria, para tentar reformar certas usanças, sugerir dúvidas, levantar julgamentos adormecidos, difundir as nossas grandes e altas emoções em face do mundo e do sofrimento dos homens, para soldar, ligar a humanidade em uma maior, em que caibam todas, pela revelação das almas individuais e do que elas têm em comum e dependente entre si”.
Ornellas constata que esta passagem revela a linha direta entre o pensamento de Barreto e Tolstói, principalmente da arte como forma de melhorar o homem e sua relação com os seus pares e o mundo à sua volta. Lima Barreto demonstra solidariedade pelos “infelizes do subúrbio” ou da margem social, o mesmo que se dá com João Antônio.
Esse amor misericordioso dos dois escritores brasileiros pelo “lixo humano social” é próximo ao pensamento de Tolstói, que vê na solidariedade e fraternidade o melhor rumo para construir uma sociedade justa. Da mesma maneira, a luta e a denúncia dos dois autores brasileiros contra as injustiças sociais revelam como optaram por dedicar suas obras aos menos favorecidos da sociedade.
Se, para Barreto, “o destino da literatura” era melhorar as relações entre os homens, não é em nada diferente quando João Antônio defende uma literatura que seja como “um corpo a corpo com a vida”. Os lançamentos de Oakley e Ornellas desvendam aspectos inéditos sobre Lima Barreto e dialogam apesar dos objetivos diferentes, revelando a importância do pensamento de Tolstói no Brasil.


Gutemberg Medeiros, Revista Cultura, Agosto 2011

22/08/2011

Palavras sem palavra!



As palavras! Ah, há palavras que não falam, impõem-se como bombas destruindo tudo à sua volta, deixando apenas sombras, cinzas, rastros de pegadas indescritíveis! Muitas vezes o cenário é desolador...Uma montanha de livros que guardam estórias e histórias que se repetem sob roupagens diferentes através dos tempos. Coisas, pessoas e objetos que se revezam num vaivém de dias e noites intermináveis de insônias clarividentes e sem solução.
O dia está lindo, a noite repleta de estrelas e o mar é imenso, - intransponível em sua distância e inacessibilidade.
Ô do mar! Ô das estrelas! Ó do Infinito!
O silêncio é profundo e ensurdecedor. Quantas galáxias separam o homem do homem? O vento que sopra do mar anuncia que a viagem é longa e cheia de tormentas; muita turbulência a revolver estômagos e mentes.
Chove uma música fina e suave lá fora enquanto escorre um rio de seu rosto já cheio de gretas e veredas sinuosas demarcando sua existência. Encontrará o seu mar a tempo? O mar não está para peixes miúdos, poucos sobrevivem...!

20/08/2011

Mas quem não é? (II)



O infame discurso do louco

O tema literatura/loucura, recorrente nos debates da atualidade desde pelo
menos meados da década de 1970, quando o trabalho de Michel Foucault sobre a supressão do discurso do louco pela psiquiatria ganhou, enfim, credibilidade e interesse no meio científico e literário, continua sendo dos mais ricos e prementes. Em sua História da loucura, de 1961, Foucault transcende a mera história da psiquiatria para expor como a loucura fora “percebida” em determinadas fases da cultura ocidental – com o consequente desprezo ou a supressão do discurso do louco, considerado a priori “infame” e desautorizado pelos vários segmentos sociais: do científico ao literário e ao poder público.
Não é de estranhar, portanto, que durante a década de 1860 se dissesse em Porto Alegre de um determinado senhor, até então respeitado como mestre-escola, comerciante, vereador e escritor, que “por ordens médicas deveria parar de escrever”. Era José Joaquim de Campos Leão, que passaria à história da literatura brasileira com o esquisito nome de Qorpo Santo e sobre quem pesou com todo o rigor o interdito da ciência. Em um tempo no qual para o “louco”, denominação genérica que abrangia todos os que apresentassem distúrbios mentais ou desvios de comportamento, recomendava-se repouso, boa alimentação, duchas geladas, desligamento completo das funções sociais e, naturalmente, um implacável confinamento em instituições especializadas.
Felizmente, Campos Leão não obedeceu aos médicos. Recorreu da interdição legal que fora pedida pela sua própria esposa, que alegou “monomania e má administração dos bens da família”, e empenhou o restante dos seus anos na luta contra o saber psiquiátrico e na fruição de delírios de complicado feitio, nos quais, em textos de estranha ortografia, se dizia mesmo enviado de Deus e às vezes travestido de Napoleão III.
No ano de 1866, refugiado na escrita mais do que nunca, escreveu em cinco meses 17 comédias que hoje constituem um precioso legado e são reconhecidas como precursoras de movimentos teatrais que marcariam época muito mais tarde: o surrealismo de André Breton, na década de 1920, e o Teatro do Absurdo, presente do final dos anos 1940 até o final dos 1960. Um século mais tarde, sua obra, redescoberta afinal no torrão natal, transforma-o no “nosso Ionesco” e permite que um crítico como Sábato Magaldi diga dele: “Caso isolado, escrita inclassificável pelos padrões da época em que viveu, passou a perturbar os esquemas sabidos do romantismo ou da triunfante comédia de costumes no século passado. Hoje, seria impossível descartá-lo.”

Cecília Prada em Revista da Cultura - Agosto, 2011

Mas quem não é?

Fou de peur, Courbet




Digam de mim o que quiserem, pois não ignoro como a Loucura é difamada todos os dias (mesmo pelos os que são mais loucos), sou eu no entanto, somente eu, por minhas influências divinas que espalho a alegria sobre os deuses e sobre os homens.

Elogio da Loucura, de Erasmo de Rotterdam (1469-1536)

18/08/2011

...Um mestre

The matrix of amnesia, John Isaacs


Mais severo, mais empenhado, improvisaria

Prova mais sutil, mais urgente de que a teoria

Da poesia é a teoria da vida.

Na verdade, nas intricadas fugas de como...

( Stevens, Uma noite comum em New Haven, Trad. Marcos Santarrita)



...A more severe/More harassing master would extemporize/

Subtler, more urgent proof that the theory/Of poetry is the

theory of life./As it is, in the intricate evasion of as...

Stevens, An Ordinary Night in New Haven

Um poema de Wallace Stevens





A coruja no sarcófago



Ela mantinha os homens próximos da descoberta.


Quase como a velocidade descobre, assim como

A invisível mudança descobre o que foi mudado,

Assim como o que foi deixou de ser o que é.


Não era o olhar dela, mas um conhecimento que tinha.

Era um eu que conhecia, uma coisa interior,

Mais sutil que a declamação do olhar, embora andasse


Com um triste esplendor, além do artifício

Com a paixão pelo conhecimento que tinha,

Alí nas bordas do esquecimento.


Ó emanação, ó arremesso sem manga

E projeção, ruborizada e resolvida

Da visão, no silêncio que segue sua última palavra.


Wallace Stevens, nasceu na Pensilvânia (EUA) - 1879-1955

15/08/2011

Recuando no tempo...!?



Na minha próxima vida, quero viver de trás para frente.
Começar morto, para despachar logo o assunto.
Depois, acordar num lar de idosos e ir-me sentindo melhor a cada dia que passar...Ser expulso de lá, porque estou super saudável, receber minha aposentadoria e começar a trabalhar, recebendo logo um relógio de ouro no primeiro dia!
Trabalhar 40 anos, cada vez mais desenvolto e saudável, até ser jovem o suficiente para entrar na faculdade, embebedar-me diariamente e ser bastante promíscuo. E depois, estar pronto para o secundário e para o fundamental antes de me tornar criança e só brincar, sem responsabilidades. Aí torno-me um bêbê inocente até nascer.
Por fim, passo nove meses flutuando num "spa" de luxo, com aquecimento central, serviço de quarto à disposição e com um espaço maior por cada dia que passar, e depois - "Voilà!" - desapareço num orgasmo!


P.S: Recebí esse texto por e-mail, ilustrado com uma foto do cineasta Woody Allen! Pela irreverência, poderia até ser de sua autoria, mas não posso afirmar categoricamente que seja dele. De qualquer forma, achei interessante e divertido, vocês não acharam?

Um B com A = BÊ-A-BA...(II)

A leitura tornou-se uma atividade que já está inserida no cotidiano da maioria das pessoas (pelo menos daquelas que sabem ler). Lê-se sem prestar atenção para o ato, lê-se sem parar, placas, outdoors, cartazes, manchetes de jornais, etc. Inconscientemente, somos chamados à leitura de textos breves ou longos. Tornou-se tão natural e imprescindível quanto alimentar-se ou vestir-se. A todo momento temos que estar atentos para um texto que nos dê qual a direção a tomar numa rua, numa auto-estrada, um anúncio de emprego, de moradia, informações sobre o uso de um medicamento, ler um manual de instruções de um determinado equipamento. Enfim, existem diversas maneiras de se ler, seja folheando uma revista, um livro, percorrendo suas páginas, demorando em certas passagens, pulando outras, leitura rápida, desatenta ou concentrada.

Entretanto, a invenção da escrita e sua evolução passaram por um lento processo. Supõe-se que o nascimento da escrita tenha ocorrido há dezessete mil anos antes da nossa era, passando por modificações à medida que o Homem ía adaptando-se ao meio em que vivia e de acordo com suas necessidades. Ocorreram várias etapas até chegarmos à escrita que temos hoje. A primeira delas foi a ideográfica, na qual eram utilizados sinais representando objetos (pictogramas) ou ideias (ideogramas). Posteriormente, surgiu a escrita cuneiforme, desenvolvida pelo povo sumério, há três mil anos, feita com o auxílio de objeto em formato de cunha. Paralelamente, surgiram os hieróglifos, uma escrita criada pelos sacerdotes egípicios que a utilizavam para marcações em templos e túmulos. Apenas os sacerdotes, membros da alta realeza e escribas conheciam a arte de ler e escrever esses sinais. A etapa seguinte na evolução da escrita foi a criação da escrita alfabética, há mil anos antes da nossa era, através dos fenícios, um povo que vivia da navegação e do comércio.

Saímos assim de uma representação feita por sinais representando objetos ou ideias, para sinais que representam um som e o número de sinais diminui. A leitura vai tornando-se mais simples, mais rica e mais fácil. A abstração alfabética facilita o trabalho da escrita e da leitura, tornando-a agradável. Dos cerca de 1.500 pictogramas chegamos a apenas 26 sinais abstratos, o nosso chamado alfabeto latino, criado no século VIII a.C. (753 a.C.) e baseado no alfabeto etrusco, derivado do grego.

Estamos entrando atualmente numa nova etapa com a chegada da informática. Veremos o que vai acontecer a posteriori.



alfabeto aramaico




escrita cuneiforme


alfabeto grego em antigo vaso

pintura rupestre, Lascaux(França)

primeiras formas de escrita

um ideograma

escrita pictográfica
Fontes: Sociologia da Leitura, de Monique Segré e Chantal Horrelou-Lafarge
e Wikipedia

12/08/2011

Cuidado com o que você coloca nas 'Redes Sociais'

Corre a boca pequena(!) que o facebook e o twitter estão atraindo cada vez mais os blogueiros, deixando os blogues quase que entregues aos "espíritos virtuais", os substitutos das traças que atacam o papel. Se for apenas isso, ainda poderemos apelar para "tratamentos corretivos", como por exemplo, tentar fazer postagens que despertem um pouco mais de interesse dos seus leitores. Mas não sabemos se se trata penas disso. O fato concreto é que já existem fortes indícios de que o problema é muito mais sério, como mostra o artigo abaixo e cabe a nós blogueiros tomarmos as devidas precauções...



Numa reportagem televisiva com Joaquim López Dóriga (jornalista mexicano) sobre o Facebook, o Hi5, Myspace, Sonico, Netlog, etc , ele alertou para os perigos que essas redes sociais escondem pelo facto de seus usuários darem muitas informações pessoais que muitos criminosos aproveitam tendo como fonte principal o Facebook e o Hi5.
Alguns sequestradores dizem mesmo que entram na rede e vêm os rostos, a casa, os carros, as fotos de viagem e sabem o nível social e económico que têm os seus utilizadores. Um deles declarou que antes investigava muito seus alvos antes de agir junto das vítimas, mas agora com a informação que encontra no Facebook já não se engana e tem o seu trabalho facilitado sobre locais onde as pessoas vivem, para onde viajam, quem são os pais, irmãos e amigos...
Alejandro Marti, (jovem mexicano morto por sequestradores) colocava tudo na sua página de rede social que a familia acaba de fechar depois de dar conta da quantidade de informação potencialmente perigosa que o jovem colocava com alegria (como tanta gente faz hoje em dia), sem suspeitar que estava a dar dicas ao criminoso que o matou.
A conclusão do jornalista entrevistado é de que muita gente se expõe demasiado e não se protege nem a seus filhos e amigos, pois fornecem muita informação pessoal num imenso mundo virtual onde espreitam muitos perigos.
Há ainda outra coisa que muita gente desconhece que é o facto de permanecer tudo na Net mesmo quando os usuários cancelem a sua conta: as fotos e informações permanecem sempre, segundo o Facebook, para o caso de quererem reactivar a sua conta.
De acordo com as 'condições de uso,' os membros não podem obrigar que o Facebook retire dos seus dados tudo o que seus utilizadores colocaram, já que quando se aceitou o contrato virtual concedeu-se ao Facebook o direito de mantê-lo activo sob um status especial de partilha por um período de tempo determinado para permitir que outros usuários possam publicar e observar os comentários sobre a pessoa, mesmo quando esta já não existe nem faz parte de rede social.

10/08/2011

Toda a manhã consumida...



Toda a manhã consumida

como um sol imóvel

diante da folha em branco

princípio do mundo, lua nova.

Já não podia desenhar

sequer uma linha,

um nome, sequer uma flor

desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,

cada dia comprado,

do papel, que pode aceitar,

contudo, qualquer mundo.


A noite inteira o poeta

em sua mesa, tentando

salvar da morte os monstros

germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas

de palavras, circulando,

urinando sobre o papel,

sujando-o com o seu carvão.

Carvão de lápis, carvão da ideia fixa, carvão

da emoção extinta, carvão

consumido nos sonhos.


João Cabral de Melo Neto

08/08/2011

O beijo

Constantin Brancusi




Coincidência ou não, aconteceu justamente na esquina do poeta, naquele pedaço de calçada em que as pedras portuguesas formam versos de Drummond. Ali, na fronteira entre Copacabana e Ipanema, a tarde caía. Mas ainda havia luz. O entardecer de outono descia lentamente sobre os prédios, em cujos topos, para além da vegetação das coberturas, brilhava um céu de azul intenso.
Cá embaixo, na calçada, embora ainda houvesse luz, soprava um ventinho frio, que em junho passa ali como num corredor, provocando arrepios nas nucas descobertas, do Castelinho ao Posto Seis. As pessoas iam apressadas, com as golas dos casacos levantadas, porque qualquer brisa mais fresca faz tremer esse animal solar que é o carioca.
Era um dia de semana e o trânsito, àquela hora, já estava apertado. Ao volante, eu esperava o sinal abrir quando reparei nos dois. Estavam de pé junto ao meio-fio, semi-encobertos por um poste de luz. Um casal - ambos seguramente com mais de 70 anos.
No instante em que pousei os olhos neles, houve o abraço. E depois o beijo. Um beijo de amor entre homem e mulher, que nada tinha de fraterno, um beijo com qualquer coisa de sôfrego, de apressado. Um beijo de despedida.
E em seguida, de fato, separaram-se. O trânsito recomeçava a fluir quando o homem estend eu a mão, chamando u m táxi. A mulher sorriu, antes de embarcar. E, de dent ro do carro, ainda virou-se e deu adeus pelo vidro de trás. Em resposta, o homem fez uma leve curvatura para a frente, como o galanteio de um cavalheiro com quem se acaba de dançar.
Havia nos gestos de ambos uma história e eu logo imaginei um conto de encontros furtivos, de tardes de amor em Copacabana, caminhadas até a esquina, beijos com sabor de proibido.
Cheguei a pensar em acompanhar o táxi para continuar observando a mulher, mas ele virou na Canning, desapareceu. E eu segui em frente, desembocando no poente de Ipanema com aqueles dois na retina.
Na minha mente, a imagem do beijo se repetia, ganhando contornos mais definidos, um cenário cada vez mais vivo. Dava-se de repente em câmera lenta, um beijo de amor no centro de um rodamoinho, onde voejavam folhas de outono. Um beijo deItálico amor outonal, com uma beleza própria, peculiar.
Segui pela praia com o sol já caindo, deitando uma luz dourada na calçada de pedras portuguesas, onde àquela hora havia uma multidão, incluindo muita gente de idade. E fiquei pensando. Não é em qualquer lugar do mundo que duas pessoas mais velhas se beijam no meio da rua, um beijo ardente, com tamanho despudor. É preciso ter em torno uma cidade lasciva, irreverente, docemente permissiva e sensual.
E que bom que o Rio é um cenário assim.


Em Contos Mínimos, de Heloísa Seixas, jornalista e escritora nascida no Rio de Janeiro em 1952.

07/08/2011

O andarilho e sua sombra



Sempre que posso, saio a pé pelas ruas da cidade. Onde quer que more, com ou

sem trânsito, é assim. Nada para mim substitui o contato direto com a rua, a ótica nua do pedestre e o exercício suave da condição de bípede reflexivo. Adoro

quando me acontece de poder caminhar até o local de algum compromisso ou encontro e considero um privilégio inconfessável o luxo de perambular a esmo, sem propósito definido, pelo simples prazer peripatético de espiar, devanear, ruminar.

Não é sempre, porém, que me permito o luxo desse esbanjamento. Só quando

sinto que cumprí alguma tarefa e, de certa forma, conquistei o direito de vagabundear um pouco. Na era do politicamente correto e da máxima eficácia em tudo, temo a chegada do dia em que o deleite inocente de se caminhar sem expectativa de ganho e sem propósito definido seja considerado um crime.

Um dia desses, não faz muito tempo, eu estava a poucos quarteirões de casa quando fui abordado na calçada por um homem de aparência humilde e jeito acanhado. Não era um mendigo. Parei e perguntei o que era.

Ele então apontou para uma pequena placa do canteiro de obras e me

pediu, assim meio de lado, se eu podia ler para ele o que estava escrito nela. Queria saber, explicou, se estavam oferecendo emprego.

Li a placa em voz alta ("vende-se material usado"), lamentei que não era o caso

e sugerí que fosse ao vigia da obra perguntar se estavam precisando de gente. Nunca mais o ví.

O episódio em si não durou mais que um par de minutos, talvez nem isso. Mas

a situação daquele homem simples procurando emprego, o dedo furtivo apontando a placa e a interrogação muda estampada em seu rosto expectante têm me acompanhado de forma intermitente desde aquela manhã.

A sensação imediata, enquanto andava de volta para casa, foi de um mal-estar

difuso e uma ponta de remorso. A estranha dignidade daquele gesto difícil mexeu comigo. Como aquele sujeito teria vindo parar alí? Teria família, filhos, dívidas? Ele não parecia desesperado. Mas até que ponto, eu me perguntava, as aparências revelavam o seu estado?

Comecei a pensar nas dificuldades e embaraços inusitados que alguém como ele enfrenta cotidianamente. Como se vira um analfabeto no cipoal urbano de São

Paulo? Como faz para encontrar um endereço, apanhar o ônibus certo, contar o troco, não ser trapaceado na quitanda da esquina?

O analfabetismo numa grande cidade chega a ser uma deficiência tão debilitadora quanto a cegueira ou a surdez. É todo um universo de informação que se fecha, que nunca se abriu. Como nós que lemos e escrevemos como quem respira e caminha podemos sequer vislumbrar o que possa ser isso?

E por que diabos não fui mais solidário? O que me custaria, afinal, ser mais solícito e tentar ajudá-lo a se orientar um pouco? Podia, ao menos, ter perguntado se precisava de dinheiro para tomar uma condução. Invertí, na imaginação, os papéis: o que eu, no lugar dele, esperaria de alguém como eu? Vontade (abstrata) de voltar no tempo, ser melhor do que fui. Era tarde. Será diferente da próxima vez?

Eduardo Giannetti, economista, nascido em Belo Horizonte(MG), 1957.

Esse texto foi escrito em 1998.

05/08/2011

O desfecho






Prometeu sacudiu os braços manietados

E súplice pediu a eterna compaixão,

Ao ver o desfiar dos séculos que vão

Pausadamente, como um dobre de finados.


Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,

Uns cingidos de luz, outros ensanguentados...

Súbito, sacudindo as asas de tufão,

Fita-lhe a águia em cima os olhos espantados.


Pela primeira vez a víscera do herói,

Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,

Deixou de renascer às raivas que a consomem.


Uma invisível mão as cadeias dilui;

Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;

Acabara o suplício e acabara o homem.


Machado de Assis

"Prometeu", tela de Menashe Kadishman

01/08/2011

Para quem gosta de ler - II







Desta vez fiz uma seleção de trechos de alguns autores sem nomear seus nomes, porque percebí que vocês acharam muito fácil identificá-los! Mesmo assim, acredito que não terão dificuldades para descobrir quem são eles...!? Brincadeirinha, pessoal. Sei que ficaria muito difícil não dar nenhuma pista, por isso, darei o nome das obras:

- Ensaios

- Cândido ou o otimismo

- Hamlet

- Pedro Páramo

- Enquanto agonizo

- O fazedor

- Jacques, o fatalista



1 - Porque se não sabemos o que está escrito lá em cima, não sabemos o que queremos, nem o que fazemos, não sabemos se seguimos nossa fantasia que se chama razão ou se seguimos nossa razão que, frequentemente, é somente uma fantasia perigosa que ora termina bem, ora termina mal.


2 - Há um verso de Verlaine que não tornarei a lembrar. Há uma rua próxima que está vedada a meus passos. Há um espelho que me viu pela última vez. Há uma porta que fechei até o fim do mundo. Entre os livros de minha biblioteca (cá os vejo) há algum que já não abrirei.


3 - Nada pode ser importante se o é só uma vez. É razoável temer por tanto tempo coisa de tão curta duração? Viver uma vida longa e viver uma vida curta tornam-se iguais pela morte, pois não há curto e longo nas coisas que não existen mais.


4 - ... eu pensava como as palavras descrevem uma linha reta e fina, rápida e inofensiva, e em quão terrivelmente vai pela terra, aferrando-se a ela, para que depois de um tempo as duas linhas estejam separadas demais para que uma mesma pessoa passe de uma a outra;


5 - Nascí em Nápoles, me disse ele, onde se castram duas ou três mil crianças por ano. Uns morrem, outros adquirem uma voz mais bela do que a das mulheres, outros vão governar os estados.


6 - Esta terna estrutura, a terra, me parece que se tornou uma estéril excrescência e a excelsa abóbada celeste, o firmamento solidamente suspenso sobre nós, majestoso teto marchetado de ouro flamejante, surge como uma mistura explosiva de vapores perniciosos.


7 - Se pelo menos fosse dor o que ela sentisse, e não esses sonhos sem sossego, esses intermináveis e esgotadores sonhos, ele poderia buscar-lhe algum consolo. (...) O que aconteceria se ela também se apagasse como se apagou a chama daquela lua débil com a qual ele a via?


8 - Saí, diz ela, deste mundo como nele entrastes. A mesma passagem que fizestes da morte à vida, sem paixão e sem temor, refazei-a da vida à morte. Vossa morte é uma das peças da ordem do universo, é uma peça da vida do mundo, os mortais partilham a vida assim como os corredores se repassam sua tocha.