DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)
31/10/2011
El otro, el mismo
28/10/2011
Uma fábula de Leonardo Da Vinci
As chanas já duravam um mês nas fornalhas dos recipientes de vidro. Ao verem aproximar-se de si uma vela em um belo e lustroso castiçal, com grande desejo forçaram-se a se encostar nele. Uma das chamas resolveu deixar o seu curso natural, moveu-se por dentro de um vazio tição que a nutria e saiu pela abertura oposta de uma pequena fissura para chegar até a vela, que estava perto. Arremesou-se e com suprema gula e voracidade devorou-a, de modo a consumí-la quase que ao seu fim. Querendo preservar o prolongamento de sua vida, em vão tentou retornar à fornalha de onde tinha partido, uma vez que foi obrigada a morrer e perecer junto com a vela.
Ao fim, com pranto e arrependimento, a chama se converteu numa incômoda fumaça, enquanto todas as suas irmãs continuaram numa resplandecente beleza e longa vida.
26/10/2011
Como todo homem normal
que é brutal e também está à beira da histeria.
Estou apaixonado pelo meu tempo com os nervos à flor da pele,
com a cabeça se debatendo entre o estrondo e a esperança,
entre a usura e o perigo,
entre a morte e o amor.
E sonho e vocifero
diante de uma surda, ululante multidão
de turbinas, poços de petróleo, gigantescos combinados
siderometalúrgicos onde o homem cresce na presteza de seus dedos sobre os controles e as ferramentas, fundido no corpo quente e brilhante das máquinas, que se desgastam incessantemente fabricando um mundo radiante e futuro, jamais visto, jamais ouvido, jamais tocado, habitado por fantasmas que mal temos tempo de gerar.
Estou apaixonado por uma mulher
belíssima e neurótica como a História,
e me afundo em suas carnes espaçosas para que a aurora
que estamos construindo
não ilumine um planeta solitário
e melancólico.
III
Acho que o mundo pode e deve ser mudado
pedra a pedra e homem a homem,
e com essa fé me deito e me levanto.
Meu coração é um bosque de fúrias e benevolências.
Em minha cabeça, as derrotas, os triunfos
e as utopias abriram oceanos, levantaram barricadas, fizeram mortos e ressuscitaram mortos, ditaram regras de beleza e de moral, fomentaram o desalento e proclamaram políticas salvadoras, inventaram ilhas e culturas e mártires vitoriosos; em minha cabeça, a liberdade coroou ídolos intolerantes a cujos pés em chamas queimei dogmas e idolatrias.
Me refugio em minha cabeça, todo eu metido em minha cabeça,
que é uma bola de futebol chutada por risos pavorosos,
por palavras pavorosas,
por silêncios pavorosos.
Convido a todos os homens da liberdade e do trabalho
a chutar esta bola,
a acertar no alvo com esta bola que assobia.
24/10/2011
Jorge de Lima
Éguas vieram, à tarde, perseguidas,
depositaram bostas sob as vides.
Logo após as borboletas vespertinas,
gordas e veludosas como urtigas
sugar vieram o esterco fumegante.
Se as vísseis, vós diríeis que o composto
das asas e dos restos eram flores.
Porque parecem sexos; nesse instante,
os mais belos centauros do alto empíreo,
pelas pétalas desceram atraídos,
e agora debruçados formam círculos;
depois as beijam como beijam lírios.
XXVII
Há uns eclipses, há; e há outros casos:
de sementes de coisas serem outras,
rochedos esvoaçados por acasos
e acasos serem tudo, coisas todas.
Lãs de faces, madeiras invisíveis,
visão de coitos entre os impossíveis,
folhas brotando de âmagos de bronze,
demônios tristes choros nas bifrontes.
Tudo é veleiro sobre as ondas íris,
condores podem ser os baixos ramos,
montes boiarem, aços se delirem.
Vemos ao longe sombras, e são flâmulas,
lábios sedentos, lírios com ventosas,
ódios gerando flores amorosas.
23/10/2011
Sobre os sentidos...
Por que é que um homem não deveria chorar?
21/10/2011
19/10/2011
Delacroix - Viagem a Marrocos
No século XIX, era comum a presença de artistas integrando comitivas diplomáticas. O objetivo disso era documentar a expedição com relatos dos fatos e inventariar as paisagens, a fauna e a flora dos territórios explorados. Em 1832 o pintor francês Eugène Delacroix (1798-1863) fez parte de uma comitiva diplomática francesa, acompanhando o conde de Mornay até as cidade de Tanger e Meknes, em Marrocos. Em seus cadernos Delacroix registrou cenas feitas a bico de pena, lápis e aquarela. Há também registros de acontecimentos vividos, de cerimônias presenciadas por ele. Mesmo antes de sua viagem já era conhecido seu interesse por culturas "não européias". Para ele, o oriente simbolizava o mistério, o desconhecido e uma promessa de sensualidade: "O pitoresco é abundante por aqui. Seria capaz de fazer a fortuna de vinte gerações de pintores", diz ele em carta escrita a Armand Bertin. No entanto, ele tinha consciência da fragilidade de sua tarefa, pois escreveu para seu amigo Pierret: "Estou certo de que a grande quantidade de informações curiosas que levarei daqui não servirá muito. Longe do país onde foram feitas, serão como árvores arrancadas de seu solo natal. Meu espírito esquecerá essas impressões e eu teri que exprimir friamente a sublime e impressionante vivacidade que ocorre aqui nas ruas." Não existe nenhuma referência à tensão que envolvia o fato de a comitiva francesa ficar confinada por vários dias, aguardando que a delegação argelina saísse da cidade de Meknes. Um dos objetivos estava relacionado a problemas diplomáticos de navios franceses apreendidos na Argélia. Mas Delacroix estava preocupado apenas em pesquisar dados dessa nova cultura que se apresentava a seus olhos. Suas anotações referem-se à memória dos fatos e costumes; a diferença entre muçulmanos e judeus, seus hábitos e vestimentas, os adereços das mulheres, enfim, os costumes do povo.
FONTE: Tiraz - Revista de Estudos Árabes e das Culturas do Oriente Médio-2005.
17/10/2011
Sem chance de ajuda
16/10/2011
Por que você me trata mal...?
15/10/2011
Aula de português
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.
A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
Carlos Drummond de Andrade
13/10/2011
Folhas das folhas de relva - fragmentos
Com música forte eu venho,
com minhas cornetas e meus tambores:
não toco hinos
só para os vencedores consagrados,
toco hinos também
para as pessoas batidas e assassinadas.
Vocês já ouviram dizer
que ganhar o dia é bom?
Pois eu digo que é bom também perder:
batalhas são perdidas
com o mesmo espírito
com que são ganhas.
Eu rufo e bato o tambor pelos mortos
e sopro nas minhas embocaduras
o que de mais alto e mais jubiloso
posso por eles.
Vivas àqueles que levaram a pior!
E àqueles cujos navios de guerra
afundaram no mar!
E a todos os generais
das estratégias perdidas,
que foram todos heróis!
E ao sem número dos heróis maiores
que se conhecem!
2.
Quem é que vai por aí
aflito, místico, nu?
Como é que eu tiro energia
da carne de boi que como?
O que é um homem, enfim?
O que é que eu sou?
O que é que vocês são?
Tudo o que eu digo que é meu,
vocês podem dizer que é de vocês:
de outro modo, escutar-me
seria perder tempo.
Não ando pelo mundo a lastimar
o que o mundo lastima em demasia:
que os meses sejam de vácuo
e o chão seja de lama
e podridão.
A gemer e acovardar-se,
cheio de pós para inválidos,
o conformismo pode ficar bem
para os de quarta categoria;
eu ponho o meu chapéu como bem quero,
dentro ou fora de portas.
Por que iria eu rezar?
Por que haveria eu de me curvar
e fazer rapapés?
Tendo até os estratos perquirido,
analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores
e feito os cálculos apropriados,
eu não encontro gordura mais doce
do que a inserida em meus próprios ossos.
Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem mais nem menos um grão de mostarda,
e o bem ou mal que falo de mim mesmo
falo dela também.
Sei que sou sólido e são,
para mim num permanente fluir
convergem os objetos do universo;
todos estão escritos para mim
e eu tenho de saber o que significa
o que está escrito.
Sei que sou imortal,
sei que esta minha órbita não pode
ser traçada
pelo compasso de um carpinteiro qualquer.
Sei que não passarei
assim que nem verruga de criança
que à noite se remove
com um alfinete flambado.
Eu sei que sou majestoso,
não vou tirar a paz do meu espírito
para mostrar quanto valho
ou para ser compreendido:
tenho visto que as leis elementares
jamais pedem desculpas.
(Eu reconheço que afinal de contas,
não levo meu orgulho
além do nível a que levo a minha casa.)
Existo como sou,
isso é o que basta:
se ninguém mais no mundo
toma conhecimento,
eu me sento contente;
e se cada um e todos
tomam conhecimento,
eu contente me sento.
Existe um mundo
que toma conhecimento,
e este é o maior para mim:
o mundo de mim mesmo.
Se a mim mesmo eu chegar hoje,
daqui a dez mil ou dez milhões de anos,
posso alcançá-lo agora bem-disposto
ou posso bem-disposto espetar mais.
O lugar de meus pés
está lavrado e ajustado em granito:
rio-me do que dizem ser dissolução
- conheço bem a amplitude do tempo.
Tradução de Geir Campos, 1983, Brasiliense