A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que apetecia escrever
sobre o evento,
tive que por de lado inspiração e lápis,
pegar uma vassoura e varrer
a cozinha.
A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.
Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.
Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.
Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de fama e proveitos,
varrida de vassouras e memórias.
Por mísero e cruel balde de lixo,
azul em plástico moderno
(indestrutível)
Ana Luísa Amaral, em Minha senhora de quê
EXCELENTE PROSA.,ME HA GUSTADO MUCHO.
ResponderExcluirUN ABRAZO
Sensacional!
ResponderExcluirBeijo.
O efêmero e o eterno. A poesia traz a fragilidade das coisas cotidianas e a capacidade que temos de fotografar o instante. Estamos tocados por essa poesia da contemporaneidade do agora. beijos!
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