do Intercept
Quem são os 18 homens que querem legislar sobre o corpo das mulheres
por João Filho
EM UMA MANOBRA pouco republicana e nada cristã, a bancada da bíblia incluiu uma mudança constitucional em uma PEC que pretendia apenas ampliar a licença-maternidade para mães de bebês prematuros. A alteração, feita por uma comissão especial da Câmara, torna ilegal qualquer tipo de aborto, inclusive em casos de estupro e anencefalia do feto. A aprovação da malandragem foi feita durante um rápido intervalo em que a sessão do plenário foi derrubada por falta de quórum e sem a presença da oposição.
Em 2012, o
STF permitiu o aborto em caso de anencefalia. O Código Penal de 1940, implementado há quase 80 anos, permite o aborto em casos de estupro. Mas nada disso importa para a bancada da bíblia, que segue em sua missão divina de reverter esses avanços civilizatórios.
Sem nenhum respeito pela laicidade do Estado, um grupo de homens medievais impôs suas crenças goela abaixo de todas as mulheres brasileiras. Por 18 votos masculinos contra 1 feminino — o de Erika Kokay (PT-DF) — a comissão aprovou a barbaridade
aos gritos de “Vida sim, aborto não!”. Só ficou faltando empunharem tochas para completar o cenário.
A decisão da comissão ainda passará pelo crivo do plenário da Câmara, onde
dificilmente será aprovada, mas mostra do que as forças reacionárias são capazes.
Mas quem são os 18 deputados que querem legislar sobres os corpos das mulheres com base nas sua convicções religiosas? Tracei um breve perfil desses homens de Deus:
Evandro Gussi (PV-SP): Advogado, empresário e professor de instituto ligado à Renovação Carismática Católica, este católico carismático foi quem presidiu a comissão que tornou ilegal o aborto em qualquer circunstância. Ele venceu a eleição em 2014 com
ajuda decisiva da TV Canção Nova, onde aparecia com frequência. Aborto sempre foi o tema principal da sua campanha e depois na sua atuação como parlamentar. Apesar da religião ter papel fundamental na sua vida, Gussi jura de pés juntos que sua posição favorável à criminalização
é puramente racional: “Eu tenho a minha religião, mas em toda a minha argumentação eu não recorro a nenhum argumento religioso para ser contrário ao aborto, meus argumentos são totalmente racionais, a partir de um raciocínio filosófico e que a Constituição garante que eu posso tê-lo”
Mauro Pereira (PMDB-RS): Conhecido em Caxias do Sul por aparecer ao lado de políticos importantes nas fotos dos jornais e TV, o papagaio de pirata é também autor das
seguintes frases: “Michel Temer é trabalhador e honesto”, “Quem votar contra (arquivamento de denúncia contra Temer) detesta o Brasil”. Foi um
fiel escudeiro de Cunha até o dia da votação da sua cassação, quando decidiu abandonar o companheiro ferido na estrada.
Givaldo Carimbão (PHS-AL): Coordenador da Frente Parlamentar Católica da Câmara, o católico fervoroso Givaldo se mostrou um dos mais indignados com a mostra
Queermuseu. Em audiência pública na Câmara, o valoroso cristão
disse para o ministro da Cultura que “queria pegar a mãe e a filha do ministro e colocar de perna aberta como nas fotos”. Quanto respeito pelas mulheres, não?
Alan Rick (DEM-AC): Jornalista, apresentador de TV e pastor evangélico, o acreano foi eleito pelo PRB, partido da Igreja Universal, antes de mudar para o DEM. Usou verba parlamentar
para contratar empresa para monitorar seus críticos nas redes sociais.
Evandro Gussi, João Campos e Jorge Tadeu Mudalen conversam durante comissão especial da Câmara (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
Marcos Soares (DEM-RJ): Filho do pastor Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como Missionário R. R. Soares, o deputado tem uma atuação tímida, quase nula na Câmara. Mas em 2015, Marcos Soares
apresentou um projeto de lei que pretendia transformar as autorizações para as TVs por assinatura, transmitidas em canais UHFs, em canais abertos de televisão. Se o projeto tivesse sido aprovado, o seu papi passaria a ter sua própria TV aberta para divulgar sua religião.
Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP): É frequentador da Igreja Internacional da Graça de Deus e
amigo do seu proprietário, o pastor RR Soares. Segundo
levantamento feito pela Folha, o deputado apareceu em primeiríssimo lugar como o que mais viajou pelo mundo com tudo pago (passagem aérea, hospedagem, alimentação e transporte local) pela Câmara. De 2010 a 2016, Mudalen fez 28 viagens e visitou países das Américas, Europa e Ásia.
Leonardo Quintão (PMDB-MG): Filho do pastor evangélico, fazendeiro e prefeito de Ipatinga, Sebastião Quintão, Leonardo cumpre seu terceiro mandato consecutivo. É representante das mineradoras e teve 42% da sua última campanha
financiada por empresas ligadas à mineração. Seu irmão é empresário da área de mineração e foi um dos doadores da campanha. Aliado forte de Eduardo Cunha, Quintão foi um dos seus principais defensores no Conselho de Ética que cassou seu mandato. Foi também o
deputado mineiro que mais recebeu recursos via emendas parlamentares nos meses que antecederam a votação da primeira denúncia contra Temer na Câmara. Conhecido por suas posições moralistas e conservadoras, Quintão tentou em 2015
beneficiar um shopping com um empréstimo milionário do BNDES de
forma sorrateira. De 2010 a 2015, o patrimônio do nobre deputado
cresceu apenas 584%.
Pastor Eurico (PHS-PE): O pastor da Assembleia de Deus é um entusiasta do período de chumbo e chegou a
afirmar que “o governo militar foi solução para o Brasil”
Joaquim Passarinho (PSD-PA): Católico, o sobrinho de Jarbas Passarinho é conhecido no estado do Pará como Quinzinho. Foi autor da inacreditável lei que tornou obrigatório o
fornecimento de fio dental por bares e restaurantes do estado.
Gilberto Nascimento (PSC-SP): Advogado e ex-delegado de polícia
ligado à Assembleia de Deus. Em seu primeiro mandato como deputado federal em 2003, foi denunciado por participar do Escândalo dos Sanguessugas e acabou sendo
indiciado pela Polícia Federal em 2007 por formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ): Além de ser
apadrinhado por Silas Malafaia, dono da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Sóstenes é pastor da mesma igreja. Em 2015, numa audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o nobre pastor sugeriu a
criação de uma “bolsa ex-gay” para homossexuais que se convertessem à heterossexualidade.
Antônio Jácome (PODE-RN): Ah, esse aqui é um caso muito interessante. Ex-pastor da Assembleia de Deus, Jácome virou manchete em todos os jornais do Rio Grande do Norte em 2011. É que ele foi alvo de uma investigação da cúpula da Igreja e foi condenado por unanimidade pelas acusações de adultério e por ter incitado um…aborto.
Segundo o jornal potiguar “O Mossoroense”, o parlamentar enviou carta admitindo os pecados, mas de nada adiantou. Jácome perdeu o título de pastor e ficou proibido de subir ao púlpito das igrejas da Assembleia de Deus. Ele não pode mais pregar na igreja, mas continua pregando normalmente na Câmara.
João Campos (PRB-GO): É pastor auxiliar da Igreja Assembleia de Deus de Vila Nova, Goiás. Em 2011, quando era do PSDB, foi o
autor do hediondo projeto conhecido como “Cura Gay”. Foi também autor da
PEC99/2011, que dá às igrejas o poder de questionar leis junto ao STF. Passou a ser investigado pelo Ministério Público após ser
acusado por uma ex-funcionária de ficar com parte do salário dela entre 2004 e 2008.
Jefferson Campos (PSD-SP): É pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular. Quando vereador em Sorocaba, tentou emplacar uma lei que incluía o Criacionismo no currículo da rede municipal da cidade. O valoroso cristão teve seu nome presente em diversos casos de corrupção. No
Escândalo dos Sanguessugas em 2006, foi acusado por corrupção passiva, associação para o crime e fraude em licitações. Ele teria recebido R$ 15 mil de propina para direcionar verbas de emendas parlamentares para compra de ambulâncias acima do preço, além de um ônibus para a campanha de um cunhado candidato a vereador. Foi absolvido pelo STF por falta de provas. Mas Deus tinha planos maiores na vida deste homem. Em 2007, ele conseguiu ser
denunciado duas vezes: a primeira pelo MPF de São Paulo por improbidade administrativa, a segunda pelo MPF do Mato Grosso por formação de quadrilha, corrupção passiva e fraude em licitações.
Diego Garcia (PHS-PR): Considerado o principal líder da bancada da bíblia, o paranaense é ligado à Renovação Carismática Católica. Diego também foi relator do projeto de lei que cria o Estatuto da Família e deu o parecer no qual define a família como a união entre homem e mulher. O mesmo moralismo que apresenta como parlamentar parece não se repetir em sua vida privada. Ele foi denunciado pelo Ministério Público por corrupção ativa sob acusação de subornar uma agente do Detran. Essa criaturinha de Deus foi flagrada em escutas telefônicas comprando a CNH. O caso prescreveu em 2015. Em 2016, este católico carismático teve a ousadia de enviar um projeto de lei à Câmara para tornar a cidade de Curitiba a
Capital Nacional Anticorrupção, uma singela homenagem à Operação Lava Jato.
Flavinho (PSB-SP): Missionário na comunidade católica Canção Nova por 27 anos, Flavinho é um antissocialista do partido socialista. Se posicionou contra a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara e
afirmou que “as mulheres não querem empoderamento. Querem ser amadas, querem ser cuidadas”
Eros Biondini (PROS-MG): Integrante da Renovação Carismática Católica e fundador da Missão Mundo Novo, o deputado mineiro é o idealizador do “Cristo é o Show”, maior evento musical católico do país, além de ter sido apresentador do programa “Mais Brasil” da TV Canção Nova. Tem vários discos de músicas religiosas lançados. Este homem de Deus esteve na mira da PGR por
apresentar notas frias para justificar gastos públicos quando estava na Assembleia Legislativa de Minas. Logo após ser denunciado, virou secretário de Esportes do governo Antonio Anastasia (PSDB-MG).
Paulo Freire (PR-SP): É pastor da Assembleia de Deus. Seu pai e seus irmãos também são pastores. Foi acusado pelo Ministério Público de integrar a
Máfia do Asfalto.
Como se vê, a moral e os bons costumes dos patrulheiros do corpo alheio não resistem a uma googlada.