A metade do poema sobressalta-me sempre um grande desamparo, tudo me abandona,
não há nada a meu lado, nem sequer esses olhos que por detrás
contemplam o que escrevo,
não há atrás nem adiante, a pena se rebela, não há começo nem
fim, tampouco muro que saltar,
é uma esplanada deserta o poema, o dito não está dito, o
não dito é indizível,
torres, terraços devastados, babilônias, e um mar de sal
negro um
reino cego,
Não,
deter-me, calar, fechar os olhos até que brote de minhas pálpebras
uma espiga, um repuxo de sóis,
e o alfabeto ondule longamente sob o vento do sonho e a
maré suba
em onda e a onda rompa o dique,
esperar até que o papel se cubra de astros e seja o
poema um
bosque de palavras enlaçadas,
Não, não tenho nada a dizer, ninguém tem nada a dizer,
nada nem
ninguém exceto o sangue,
nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o
já escrito
e repetir a mesma palavra na metade do poema,
sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que
vai e vem
e não diz nada e me lava consigo.
Octávio Paz, México (1914- )
Tradução de Haroldo de Campos
UFFFF, MUY CONMOVEDOR FRAGMENTO. GRACIAS POR COMPARTIR.
ResponderExcluirUN ABRAZO
O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.
ResponderExcluirOtávio Paz me leva na sua maré de palabvras. Li recentemente Amor e Erotismo: A dupla Chama e sinto, desde os tempos da faculdade, o quanto ele é detentor do poder mágico das palavras. Um mago, um possuidor de música, um observador atento para os eventos da palavra. Obrigada, Cirandeira pela visita e pelos presentes do seu belo blog. Beijos, menina! Rita
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