Edward Hopper
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada".
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão fascinante de graça, tão irressistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aquelas mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!". E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea hoenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês em Chicago - mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nuca ouví uma história assim tão engraçada, e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouví-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já tivesse morto, sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento, é divina."
E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouví por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouví um sujeito contar uma história..."
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.
Rubem Braga, Cachoeiro do Itapemirim-ES (1913-1990)
Cirandeira,
ResponderExcluirDe histórias assim é o que todos estamos a precisar.
Este post encantou-me!
Beijo :)
Que maravilha! Um mundo assim tão receptivo e sensível a uma história encantadora nem precisaria da História.
ResponderExcluirDe tudo que li e soube do Rubem Braga, creio que isso não é apenas mais uma história.
Beijo.
Pois é Agostinho, como não dispomos de um mundo
ResponderExcluirque nos dê vontade de rir tanto assim, resta-nos contentarmo-nos pelo menos com histórias
que nos dêem um pouco de alento pra sorrir pelos cantos da boca :)
Beijos
Com certeza, Marcantonio. Rubem Braga além de ser um cronista excepcional, conhecia muito bem a História e suas vicissitudes...! Bom mesmo seria não precisarmos de uma história,
ResponderExcluirmas que tivéssemos um mundo que nos fizesse rir
às gargalhadas para encará-lo de frente!
Beijos
Quem me dera! :)
ResponderExcluirbjs
Lelena, Lelena! Não chores "de barria cheia",,,
ResponderExcluirEscreves tão bem, e nos levas às nuvens!!!
beijos