Em 1984 e 1985 o poeta e ensaísta argentino Osvaldo Ferrari, realizou uma série de diálogos (90 ao todo) com o escritor Jorge Luís Borges, que originalmente foram transmitidos pelo rádio e posteriormente publicados no jornal "Tiempo argentino" e depois como livro. Nesses diálogos são abordados os mais variados temas, como a poesia, a pintura, a amizade, o ensino, e essencialmente literatura. Minha intenção é apresentar aos poucos e alternadamente alguns deles, o de hoje, por exemplo, é sobre a poesia.
O.F. - Há algumas ideias suas sobre poesia que me interessam, sr. Borges, o senhor disse que qualquer poesia que se baseie na verdade deve ser boa
Bem, deveríamos dizer na verdade ou na absoluta imaginação, não? Que é o contrário, bom, não, mas é que a imaginação também tem que ser verdadeira, no sentido de que o poeta deve acreditar no que imagina. Creio que o fatal é pensar na poesia como um jogo de palavras, embora, ao mesmo tempo, isso pudesse levar à cadência.
O.F. - Sim, mas me parece que o senhor está interessado, particularmente, na verdade emocional, digamos...
A verdade emocional, quer dizer, eu invento uma história, eu sei que essa história é falsa, é uma história fantástica ou uma história policial - que é outro gênero de literatura fantástica - , mas, enquanto escrevo, devo acreditar nela. E isso coincide com Coleridge, que disse que a fé poética é a suspensão momentânea da incredulidade.
O. F. - Isso é fantástico.
Sim, por exemplo, uma pessoa assiste em um teatro, Macbeth. Sabe que são atores, homens disfarçados que repetem versos do século XVII, mas essa pessoa esquece tudo isso, e acredita que está acompanhando o terrível destino de Macbeth, levado ao assassinato pelas bruxas, por sua própria ambição e por sua mulher, Lady Macbeth. Ou, quando vemos um quadro, vemos uma paisagem e não pensamos que é um simulacro pintado numa tela, vemos isso, bem, como se o quadro fosse uma janela que se abre a essa paisagem.
O. F. - Sim, o senhor também disse que a palavra música aplicada ao verso, é um erro ou uma metáfora, que existe uma entonação própria da linguagem.
Sim, por exemplo, penso que eu tenho ouvido para o que Bernard Shaw chamava word music (música verbal), e não tenho nenhum ouvido, ou muito pouco, para a música instrumental ou cantada.
O. F. - São duas coisas diferente.
Sim, são duas coisas diferentes, e, além disso, conversei com músicos que não têm ouvido para a música verbal, que não sabem se um parágrafo em prosa ou uma estrofe em verso está bem medida.
O. F. - Outra opinião sua sobre a poesia é que é possível prescindir da metáfora no poema.
Penso que sim, salvo no sentido... quando Emerson disse que a linguagem é poesia fóssil, nesse sentido, toda palavra abstrata começaria sendo uma palavra concreta, e é uma metáfora. Mas, ao mesmo tempo, para entender um discurso abstrato, temos que esquecer as raízes físicas, as etimologias de cada palavra, temos que esquecer que são metáforas.
O. F. - Sim, porque a etimologia de metáfora...
É translação
O. F. - Translação...
Sim, mas a metáfora é uma metáfora, a palavra metáfora é uma metáfora.
O. F. - Tudo tem um sentido simbólico, mas uma das ideias que me parecem mais interessantes, a encontro em Rilke sob uma forma, e, no senhor, sob outra parecida. Rilke disse que a beleza não é outra coisa que o começo do terrível, e o senhor relacionou a poesia com o terrível, lembrando talvez, de poetas celtas: a ideia de que o homem não é completamente digno da poesia. O senhor lembrou que, em termos bíblicos, o homem não poderia ver Deus, porque ao vê-lo, morreria e inferiu que com a poesia aconteceria algo parecido.
Eu tenho um conto baseado nessa antiga ideia: trata-se de um poeta celta a quem o rei encomenda um poema sobre o palácio. E o poeta ensaia durante três anos, três vezes, esse poema. Nas duas primeiras vezes ele se apresenta com um manuscrito, mas na última não, chega sem manuscrito e diz uma palavra ao rei, essa palavra, evidentemente, não é a palavra "palácio", é uma palavra que expressa o palácio de um modo mais perfeito. E então, quando o poeta pronuncia essa palavra, o palácio desaparece, porque não há motivo para o palácio continuar existindo, já que foi expresso em uma única palavra.
O. F. - A poesia e a magia.
Sim, viria a ser isso, e em outro final possível, creio que o rei entrega um punhal ao poeta, porque o poeta alcançou a perfeição: encontrou essa palavra, e não tem porque continuar vivendo. E também porque o fato de ter encontrado uma palavra que poderia substituir a realidade viria a ser uma espécie de blasfêmia, não? O que é um homem para encontrar uma palavra que possa substituir uma das coisas do universo?
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Borges/Osvaldo Ferrari - Sobre a amizade e outros diálogos.
Gostei de ler as reflexões acerca da poesia. Lerei novamente para o "sentido profundo das coisas". Agradeço a sua parceria que já se transofrmou em diálogo! lerei mais vezes. Beijos, minha Cirandeira querida!
ResponderExcluirtenho esse livro, é mto bom
ResponderExcluirMaqravilha, Ci! Poesia e magia: sim, Borges sabia o que falava e você não erra numa postagem, impossível deixar de lê-las.
ResponderExcluirBeijos,
Bom que gostaste, "Ritoca"! Haverá mais :)
ResponderExcluirbeijoss
Olá "hominsdopantano", obrigada
ResponderExcluirpor "vossas" visitas :)