DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

08/11/2011

A culpa de não ser feliz e os indignados



A obrigação da felicidade é um subproduto dos movimentos progressistas dos anos 60, dos movimentos de jovens que eram legitimamente progressistas, (que pediam) por liberdade, por direitos, por direito ao prazer, a esquerda aliado aos movimentos operários na França, etc. Enquanto as reivindicações mais políticas foram derrotadas, as reivindicações existenciais, o capitalismo respondeu. O movimento dos anos 60 abriu a passagem, para uma transformação super importante na história do século XX, que é a do capitalismo na sua fase de produção para o capitalismo com ênfase no consumo.
Para você poder dinamizar o consumo, você precisa de um outro sujeito. Você precisa de um sujeito que se sente livre, livre de entrave de culpa, de religião; com direito ao prazer, porque o consumo oferece isso. Com direito a criar o seu próprio estilo, a transgredir, a ir além, bandeiras legítimas dos jovens dos anos 60. E do direito à felicidade, que é um direito até da Revolução Francesa, passa-se para a obrigação da felicidade. Porque aí já é o mercado te dizendo: ‘ou você está por dentro das ondas ou você consegue comprar os objetos contemporâneos’. Esse modo de pensar da felicidade obrigatória contribuiu para o aumento das depressões. Porque o sujeito se sente culpado de não ser feliz. Sobretudo os jovens.


A obrigação da felicidade e os indignados


Talvez os movimentos também se relacionem com essa obrigação da felicidade. Só o fato de as pessoas se disporem a ficar acampados, no Vale do Anhangabaú, o que não é nenhuma rave, sem nenhum conforto, já estão contestando um pouco que o sentido de estar no mundo é ser feliz.
Eu acho que, por um lado, tem a culpa. Tem essa humilhação narcisista de ver os outros e pensar ‘por que eu não sou feliz se os outros são?’ e que leva a muito suicídio na adolescência. Em segundo lugar, porque nossa cultura talvez seja a única que não criou estilos culturais, estéticos, para o sofrimento. Até as igrejas evangélicas, essas mais comerciais, mesmo o cristianismo, que era uma estilística do sofrimento até exagerada, hoje até uma parte das igrejas evangélicas que falam que ‘você está aqui, porque Deus quer te deixar pra cima, que você seja rico’. Parte da existência não encontra mais lugar na cultura para pensar a si mesma. A psicanálise talvez seja a última proposta para explicar o sofrimento.

Maria Rita Kehl, psicanalista, escritora, ensaísta e crítica literária - Campinas(SP) - 1951

Extraído da revista Carta Capital

5 comentários:

  1. Como é bom refletir sobre essa obrigatoriedade da felicidade e observar que a construção passa por tantos estuários, por tantos caminhos. Maria Rita Kehl está antenada com o nosso tempo e lúcida sempre para indicar e iluminar caminhos. Deslocamentos do Feminino é uma grande aula. beijos, minha Cirandeira querida!

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  2. Que alegria te receber! Não imaginas o quanto gosto de teus comentários, tão inteligentes e
    lúcidos!!!

    beijos, querida

    P>S>: recebeste meu e-mail?

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  3. Sim, mas estou cheia de tarefas escolares. Espero o tempo para ir aos correios. Amei o seu sim. Em breve chegarei (através dos livros) em sua porta. Obrigada pelos textos que divulga e nos ajuda a pensar. Beijos!

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  4. Ci, excelente postagem!
    Ainda esta semana vi na internet um comercial de jeans que ficou incomodando meus sentidos, por tratar exatamente disso, por fazer apologia a essa obrigação da felicidade, da "liberdade" que os jovens devem ter para aproveitar a vida, uma frase em especial me incomodou: "Os deuses esperam para se deliciar em você..."
    Pior é que vejo essa geração de jovens tão pouco capaz de contestar esse tipo de manipulação a "liberdade" é teleguiada, a "felicidade" oferecida e cobrada é vazia...

    Ainda bem que ainda nos restam pessoas como Maria Rita Kehl, com sua lucidez crítica...só espero que essa geração de jovens possa ouvi-la.

    beijosss

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  5. Bom,


    Pode-se esperar de alguém muita coisa, mas nunca felicidade enquanto "pressuposto". Aliás, há infelizes se comportando eticamente muito bem, coisa para fazer coçar a cabeça dos eufóricos. Se eles tiverem uma, of course. A psicanálise, na cabeça de muitos [não da Maria Rira Kehl] também é bastante normativa, quanto à superação da infelicidade, por caminhos específicos, que não o dos slogans sociais. E nisso, ela também erra. E erra feio.



    Esses mandamentos pós-modernos são uma "graça".



    Um beijo Cirandeira!

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