Uma adolescente a quem desoriento em aulas de Português vem me pedir algumas palavras sobre o Natal. Diante de meu engasgo, ela me diz que
qualquer coisa serve, e sinto que ela pensa em acrescentar, "qualquer coisa, até mesmo o que o senhor me diga". E para não lhe dizer que procure outra pessoa
mais qualificada, começo:
"O Natal é uma festa comercial, minha filha. É a data magna da hipocrisia universal. Nesse dia as pessoas dizem se amar. No Natal, as autoridades, os que
têm boa vida divulgam e querem fazer crer que as diferenças acabaram entre
os homens. Os ricos de bens materiais ficam subitamente espirituais e com o
estômago repleto arrotam que a melhor salvação é a da alma.( penso, enquanto lhe falo, na Pequena vendedora de fósforos, de Andersen, mas minhas palavras
não conseguem a força dessa claridão). No entanto, você sabe, os ricos
continuam humanos em suas mansões e os pobres continuam porcos em seus
casebres, no mesmo dia 25. No outro dia, você sabe...(E penso nos Estranhos frutos, de Billie Holiday, mas minhas palavras não se iluminam com essa luz de negros enforcados em árvores, no sul dos Estados Unidos)
O Natal, minha filha..."
E paro. O seu rosto reflete o desagrado de minhas palavras. Quem ensina a adolescentes aprende a ler nos seus olhos, nas suas bocas, o agrado ou a decepção do que pensa ensinar. Agora enquanto escrevo, percebo que é uma vitória da sociedade de classes a crença em boas famílias, em belos pais, em generosos sentimentos, essa coisa resistente até mesmo em pessoas que só conheceram da vida a humilhação, a patada e os coices.
A jovem com quem falo é uma adolescente pobre, filha natural, com somente esse adjetivo óbvio da natureza, nada mais.Como um fruto da partenogênese. À primeira vista, ela possuiria todas as condições para entender o que lhe digo.
Mas o seu rosto me faz parar. Sinto o grande mal que lhe causo em procurar
ser verdadeiro numa data em que todos pedem e esperam e anseiam que sejamos todos absolutamente falsos.
Talvez, reconsidero agora ao escrever, o seu desagrado se dê porque sou
apenas convencional, comum, de um esquerdismo vulgar, quando queria
ser verdadeiro como o leite que chupei em minha própria mãe. E convencional por convencional, melhor seria que eu escrevesse no seu caderninho uma frase do gênero "sejamos durante todo o ano como neste dezembro 25".
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Urariano Mota, jornalista e escritor, autor de Os corações futuristas.
Passar por aqui é sempre aprender um pouco mais. Parabéns pela sua existência.
ResponderExcluirDesejo de um Feliz Natal e que o Ano Novo seja repleto de realizações, cheio de alegria, amor e paz!
Abraços fraternos!
Ô Luiz, obrigada por tão generosas
ResponderExcluirpalavras!
BOAS FESTAS! pra você e toda a sua famíla e um 2012 cheio de ALEGRIAS E AMOR!!
Abraços fraternos!!!
Cirandeira! Como é difícil o Natal, meu deus! a televisão bombardeia nossos olhares com compras, o inferno das compras. Eu fico pensando que a minha honestidade comigo esse ano me afastou de tanta gente! E o pior: repetiria a indignação! Quisera poder apenas ser mais civilizada, equilibrada! No Natal parece que temos que perdoar e pedir perdão. Hoje pedi um perdaão pelos excessos. Mas somente o que foi excesso em tanta indignação! Eu estou ficando velha e já não sinto, apesar da solidão, tanta necessidade de ser aceita, querida! Aliás, isso sempre me irritou muito! Eu ando ficando louca, Cirandeira! E o Natal "pede" uma mulher absolutamente competente: salão de beleza, ceia bárbara, reuniões felizes com parentes que guardam mágoas, e eu também com as minhas mágoas, enfim! Um loucura, Cirandeira! As férias do trabalho entrelaçadas com esses dias de tanta agonia! Estou cansada, Cirandeira! Estou quieta!
ResponderExcluirRitinha querida, pois fique quieta,
ResponderExcluirtens todo o direito!
Eu detesto essas "confraternizações
natalinas", essas falsas alvíssaras! Passo ao largo, não tô
nem aí com salões, roupa nova, presentes, é uma época que não vou a lojas, tô fora, no meu canto, lendo, ouvindo música, e amando, que eu não sou de ferro, né?
Um abraço bem carinhoso e um cheiro, minha querida amiga!
Que texto, de um realismo que chega a ser constrangedora. Um grande abraço, com muito carinho.
ResponderExcluirO texto é forte mesmo, Terráqueo, e
ResponderExcluirduro como a realidade, e triste,
muito triste! Mas precisamos ver
também como é a vida de outras milhões de pessoas que nem sabem o
que é natal!
Muito carinho pra ti