DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

08/12/2011

Do Livro do desassossego

Igor Siwanowicz213.


Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que sentí outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espetáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.

Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desconheço-me neles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Sentí-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono alheio.

[...]

Ainda há dias sofrí um impressão espantosa com um breve escrito do meu passado. Lembro-me perfeitamente de que o meu escrúpulo, pelo menos relativo, pela linguaem data de há poucos anos. Encontrei numa gaveta um escrito meu, muito mais antigo, em que esse mesmo escrúpulo estava fortemente acentuado. Não me compreendí no passado positivamente. Como avancei para o que já era? Como me conhecí hoje o que me desconhecí ontem? E tudo se me confunde num labirinto onde, comigo, me extravio de mim.


Bernardo Soares por Fernando Pessoa - Lisboa, 1888-1935

4 comentários:

  1. coisa boa esse desassossego todo, né, Ci?

    é um dos meus livros de cabeceira... quando o mundo todo me sufoca e sinto que em nenhuma parte dele eu estou, parece que só Pessoa me entenderia, é para seus escritos que eu corro :)

    beijo grande!

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  2. INTERESANTISIMO TEXTO. ME ENCANTA.
    UN ABRAZO DE HERMANO

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  3. Ci, a respeito do teu comentário lá no blog, eu também creio que somos círculos sobrepostos, bem assim como dizes. Costumo dizer que as pessoas que se aproximam de mim vão adentrando esses círculos, as que me habitam (raras), penetram o círculo interno, minha sala de estar, o coração da minha casa/alma, depois dele, só há o círculo mínimo, o poço sem fundo, buraco negro que é branco, denso de todas as coisas, e que é onde minha essência habita, Neste ninguém chega, só contemplam da beira os poucos que se arriscam. Neste, eu mesma me perco às vezes...

    beijocas pra ti :)

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  4. É isso, Andrea, também me perco
    muito, mas às vezes encontro o que menos esperava!

    bjus

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