DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

13/12/2011

Fazer 80 anos


Meu irmão mais velho fez 80 anos há pouco. O irmão que veio depois dele fez 80 anos este ano. O terceiro irmão fará 80 ano que vem. Minha irmã está no caminho. Se a moda pega, acabo chegando lá.
Não é só na minha família. No Rio todo mundo está fazendo 80 anos. Você abre os jornais e escritores e artistas todos têm 80 anos. Ziraldo já anunciou que fará 80 ano que vem. Virou moda. Como se dizia na minha infância: “O último a fazer 80 anos é mulher do padre!”.
Estou sabendo que essa mania pegou também em Minas. O Jota Dângelo lá em São João del-Rei está fazendo 80 anos. Não sei como, porque outro dia ele fez 70. Já o Carlos Dênis, o Fábio Lucas, o Edmur Fonseca se reuniram celebrando isto. Rui Mourão e o Ciro Siqueira já passaram por isto. O José Bento Teixeira de Salles lá vai pros 90. As mestras dona Angela Leão e a Maria Luiza Ramos cruzaram os 80. Elza de Moura – testemunha ocular da famosa Escola de Aperfeiçoamento –, adiantadíssima, está com 95.
Essa moda pegou lá fora: no Texas, meu tradutor Fred Ellison e sua mulher, ao chegar à casa dos 90, mudaram de casa. Manolo Graña, escritor argentino e genro do Drummond, está com 95 e acabou de chegar ao Brasil para participar das comemorações do aniversário de poeta, que, aos 87, nos deixou, pois achou que já estava de bom tamanho.
Antigamente as pessoas faziam 80 anos aos 50. Lembro-me quando vários escritores fizeram 50 anos e os jornais os celebraram. Usavam terno, óculos, bigode. Hoje, os de 80 usam jeans e tênis, parecem ter 50.
Quando menino e lia a Bíblia, ficava perplexo com a história de Matusalém. Está lá no livro de Gênesis, cap. 5: “Enoch, que era pai de Matusalém, tinha 65 anos quando gerou Matusalém e porque andava com Deus, depois que gerou Matusalém viveu 300 anos”. Quer dizer: 65+300=365. E porque “andava com Deus”, ele não morreu, “ Deus o tomou”. Quer dizer, virou imortal sem precisar entrar para a Academia Brasileira de Letras.
Mas em termos numéricos isso não foi muita coisa, porque o dito Matusalém, que tinha 187 anos quando gerou Lamech, viveu mais 782 anos, totalizando 969 primaveras. E é dessa família de longevos que veio Noé. Quer dizer, vivia-se muito, mas deram com os burros n’agua.
Certa vez, quando descobri o tempo, escrevi uma crônica – “Fazer 30 anos”. Era a primeira epifania espaço-temporal. E ficava imaginando a crônica que faria para os 40, 50, 60, 70, 80 etc. Não as fiz. Pelo menos diretamente, embora meus textos comprovem que sou um escritor crônico.
Umas das vezes em que descobri que o tempo estava passando sobre mim à minha revelia e me amassando, foi quando um repórter pediu minha opinião sobre determinado assunto. Perguntei-lhe a quem mais ele estava fazendo aquela pergunta. Fiquei pasmo: eram Mário Lago, Barbosa Lima Sobrinho, Niemeyer, ou seja, todos com a idade do Matusalém.
Tenho que repetir algo que já contei (os idosos são assim, recontam coisas). Encontrei numa manhã de sábado um amigo de 86 anos. Naquele tempo eu tinha uns 50 e o achava velhíssimo. Aí ele me contou algo espantoso. Os que perambulam além do tempo vão entender. Disse que havia conversado há pouco com um almirante de 95 anos. E que ao término da conversa o almirante, emocionado e agradecido, lhe disse:
– Ah! Foi tão bom te encontrar! Finalmente eu pude falar com alguém sobre a década 30!

Affonso Romano de Sant'Anna, Belo Horizonte(MG), 1937 - escritor e poeta

2 comentários:

  1. Genial!
    Tão bonito quanto a primavera é o outono...

    Abç fra/terno.
    E longa vida aos nossos coevos!

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  2. Há dois anos, houve uma reunião familiar em Niterói para comemorar os 80 anos do meu pai. No início do ano passado [janeiro], Bodas de Ouro dos meus pais [sinho, já fiz cinquentinha ano passado, em outubro]. Ainda em 2011, lá estava a família reunida, também em Niterói, para os 90 anos do meu tio [irmão paterno]. Nove dias depois das Bodas de meus pais, faleceu minha avó materna, aos 93.


    Por outro lado, meu sobrinho, nascido no Canadá, faz um aninho agora, na primeira quinzena de abril.


    É isso.



    Um beijo, Cirandeira.

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