DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

15/05/2009

Aníbal Machado - "O Iniciado do Vento"


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Lá fora o vento guaiava. Era agora de um tipo retórico e banal, o que ocorre em toda parte sem a menor afinidade com o outro, que era todo malícia, mocidade, fecundação. A discriminação gratuita entre as duas famílias de vento perdia-se no espírito do engenheiro às impressões da chegada. Vestido como estava, dormiu.
Acordou antes da cidade.Abriu a janela. No lusco-fusco da madrugada, a cidadezinha era um amontoado de casas. Despertada dentro de algumas horas, ela começaria a desprender seus venenos, faria andar seu aparelho de compressão.

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Não se enganara. Era pois este lugar a capital do vento. Ou pelos menos, uma cidade ventada. Enchí-me de alegria, vendo confirmar minha expectativa. Até na figura que
me esperava segurando as malas - um menino de cabelos lisos, olhos espantados, pele bronzeada e uma mobilidade extrema na fisionomia - eu via um filho do vento.
Suas narinas farejavam os longes. Alguns instantes depois, ele tinha a cabeleira em desalinho, e o meu chapéu fora atirado à distância. Não era ainda o vento forte que eu
esperava
Parecia a vanguarda de outro, maior, que vinha avançando atrás. E à medida que
aumentava de velocidade, ía mostrando uma qualidade diferente daqueles que correm em outros lugares. Parecia soprar da minha infância, trazendo o que havia de
melhor e mais antigo no espaço.
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Assim, segundo a nossa classificação, havia ventos maliciosos e ventos desordeiros,
ventos calados e ventos que cantavam, ventos compridos, de grande velocidade, e
ventos miudinhos, desses que começam a correr sobre a grama e logo desanimam
aos pés de um arbusto.
(.)
Metí o binóculo, o seu casebre se aproximou. Logo avistei Zeca da Curva, no terreno
a pular. Tirara a roupa, ficara nu no meio do vento.Correndo de um lado para o outro, esbarrou numa lata e rolou pelo barranco. De repente, ei-lo de braços abertos e
olhos fechados gozando, aspirando o espaço. Assim permaneceu alguns minutos, imóvel, feliz.
Agora, pensei comigo, já não tenho dúvida: ele é mesmo o enfeitiçado do vento.
Acertei melhor as lentes, e percebí, Sr. Juiz, claramente percebí o que o menino fazia:
mijava! Com o perdão da palavra, ele mijava, Sr. Juiz! Gritei. Não me atendeu. Nem podia, tamanha era a barulheira. A urina diluía-se em gotas cristalinas. Misturando ao ar um líquido de seu organismo, tive a impressão de que procurava sentir-se mais ligado aos elementos.

4 comentários:

  1. Tenho para mim que Aníbal Machado é um dos melhores contistas brasileiros, valendo citar o magistral "Viagem aos Seios de Duília", obra-prima do conto universal. Igualmente magistral é esse "O iniciado do Vento".
    Gosto de mencionar três particulidades de Aníbal Machado:

    (1) foi autor do primeiro gol do Atlético Mineiro (BH),em 1909;

    (2) seu irmão Cristiano Machado foi candidato a Presidente, em 1950, concorrendo contra Getúlio Vargas, e teve poucos votos, pois a este aderiram seus correlegionários. Cristiano foi o primeiro político "cristianizado";

    (3) Aníbal Machado, que semanalmente reunia inúmeros intelectuais em sua residência, era pai de Maria Clara Machado, que criou o Teatro Tablado, de muita importância para o teatro carioca.

    Parabéns pelo seu blog, cada vez melhor.

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  2. Tens toda razão, devemos valorizar, respeitar e homenagear os índios todos os dias e não somente nos escolhidos.
    Obrigada pela visita epelas palavras.
    Bjinhos

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  3. Carmem, você tem uma carga muito extensa de conhecimentos para garimpar essas jóias raras.
    Sempre me sinto nas alturas quando deparo com a literatura surreal, uma linguagem que me fascina.
    Parecia soprar da minha infância, trazendo o que havia de
    melhor e mais antigo no espaço.


    Por tudo isso é que gosto de vir aqui.
    Maravilhoso conto.
    Beijos

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  4. Concordo. Joias raras que valem a pena ser lidas. Agradeço por este post.
    Uma boa semana para você.
    beijosssssssssss

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